Ellen Ripley e a Máquina-Destino
As relações entre os cinemas de David Fincher e Fritz Lang | Trecho | Parte 2
NOTA: O ensaio abaixo é um trecho de capítulo de um livro que estou escrevendo sobre o cinema de David Fincher. O reproduzi aqui por conta do lançamento de “O Assassino” (The Killer) no dia 10 de novembro de 2023, na plataforma Netflix.
O terceiro filme da franquia Alien vê Ripley cercada pelos mortos e fantasmas de seus encontros passados com a criatura; só que, agora, impregnada pelo Mal que a assolou nos filmes anteriores, pronta para dar a luz a mais uma continuação - uma repetição - dos mesmos horrores passados. E isso a faz com que ela se veja confrontada com uma única opção: a sua morte. É menos a sua fuga do que a conclusão lógica de sua jornada. No entanto, sua morte é menos um suicídio do que uma reconfiguração deste em sacrifício. Submetida mais uma vez ao jogo cruel do Destino, Ripley só pode retomar o controle de sua vida e do seu próprio destino (e o da humanidade, ao não se entregar à companhia Weyland-Yutani) ao, paradoxalmente, se matar.
Fincher, assim, evita cair na armadilha da nostalgia jamesoniana1, tipicamente pós-moderna, que aflige tantas continuações e franquias cinematográficas, ao aparentemente repetir a estrutura do primeiro Alien, mas com um twist ao final. Fincher, assim, ressignifica o final dos filmes anteriores, onde a escapatória (no final do primeiro filme) e a reconstituição da família (no final do segundo) não eram nada mais que adiamentos do fato inevitável de que Ripley estava condenada à morte desde o primeiro confronto com o alienígena. E, assim, vemos que, por mais que Alien 3 seja uma narrativa gótica, o é de uma forma bem diferente: nele, vemos como a força do Destino, invisível e implacável, opera na vida de Ripley. Isso aproxima Alien 3 do noir cinematográfico (sobre o qual falaremos mais adiante) mas, também, do cinema de Fritz Lang, cuja principal preocupação é justamente com o Destino:
Eu acredito que o tema central da minha obra é a luta que o indivíduo trava contra aquilo que os gregos e os romanos chamavam de Destino, e que no caso assume a forma de uma potência real: a ditadura, lei ou sindicato do crime. Trata-se de proteger a individualidade, e é importante lutar para conseguir isso.2
Ou, como diz o Dr. Mabuse (para a Condessa Told): “No longo prazo, nada é interessante - exceto por uma coisa. Jogar com seres humanos e destinos humanos”. Esse poderia ser o lema do cinema de Fritz Lang (e também do seria killer Zodíaco). Segundo Albin Lesky, a visão trágica de mundo “é a concepção do mundo como sede de aniquilação absoluta de forças e valores que necessariamente se contrapõem, inacessível a qualquer solução e inexplicável por nenhum sentido transcendente.”3
Somente o voltar-se para Deus pode dar segurança ao homem, mas, assim mesmo, sua vida nesta terra, devido à constituição humana, está de antemão exposta ao engano, às aparências que lhe escondem a realidade, ao desvario que o atrai para a ruína.
Idéias desse tipo, que partem da fragilidade e do risco da existência humana, não puderam encontrar ressonância ou propagação no Iluminismo. Por isso, podemos antecipar confiantes uma futura e detalhada história de nosso conceito, com a constatação de que a época do neo-humanismo significou, quanto ao problema da natureza do trágico, um novo começo por sobre os soterrados germes mais antigos. 4
A partir do conceito de Destino e tragédia na obra de Lang, Tom Gunning elaborou o conceito de “Máquina-Destino” para compreender a forma única e peculiar que Lang modernizou esse conceito clássico em seus filmes. Uma das formas mais interessantes que Gunning aborda o tema é a partir da própria biografia de Lang, partindo da famosa história que ele contava a respeito dos seu encontro com Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Terceiro Reich. A história é muito provavelmente uma invenção, mas isso não significa que ela tenha valor.
Sentado no escritório de Goebbels, Lang, tenso, observava a torre de um relógio que ele podia ver por uma enorme janela que ficava atrás de Goebbels. Enquanto o ministro fazia a sua proposta a Lang, de que este deveria se tornar o chefe da indústria cinematográfica do Terceiro Reich, Lang maquinava em sua cabeça seus planos de fuga, enquanto enrolava Goebbels: precisaria passar no seu apartamento, reunir seus documentos, pertences e dinheiro; precisaria correr para a estação de trem para fugir de Berlim; etc. No entanto, a conversa com o ministro se alongava, e a Lang só restava contemplar os ponteiros do grande relógio, movendo-se implacavelmente, fechando seu horizonte de fuga e, assim, selando o seu destino. Lang, ao recontar essa história, torna-se um personagem em seu próprio filme, pois, nela, Lang é um personagem inserido em um complexo sistema que ele é incapaz de controlar. Esse é um tema recorrente e constante em seus filmes, e o “sistema invisível” que controla e rege a realidade é geralmente retratado por um relógio em seus filmes.
Em Um Retrato de Mulher, Lang usa o relógio para ancorar a geografia da cena no plano aberto, que vem logo após o do relógio. Além disso, a posição deste, centralizado na sala e numa posição superior, acima dos personagens, já nos dá uma dica sobre o seu papel como “máquina-Destino”, que rege a vida dos homens, de forma implacável e inflexível.
Em Almas Corruptas, Lang faz um relógio passar de mão em mão até chegar a Christopher Cross (Edward G. Robinson), o protagonista da história. Um detalhe interessante é que Lang faz um travelling-in no momento em que o relógio chega às mãos de Cross, indicando ao espectador que este é o protagonista da história, e que o Destino está interessado nele, e não nos outros homens que estão sentados à mesa. O travelling-in, como forma de indicar ao espectador quem é o protagonista da história, é um recurso de linguagem que Fincher usaria em praticamente todos os seus filmes. Assim, a partir deste momento, o destino de Cross está selado.
Seus filmes colocam personagens que devem, em primeiro lugar, aprender a ler a realidade de um determinada forma. Esse aprendizado gera um deslocamento na consciência dos personagens: ao aprenderem a ler a realidade de uma forma nova e diferente, eles passam a enxergar os mecanismos do sistema, da máquina-Destino, que controlam a realidade. Ao mesmo tempo, ao adquirirem esse conhecimento, os personagens tornam-se párias, outsiders, pois ficam cada vez mais alienados e deslocados dos seus pares, da sociedade em si, pois passam a vê-la e compreendida de uma forma diferente5. Por último, a questão central torna-se: é possível vencer a máquina-Destino? Ou simplesmente deve-se aceitá-la? Ou usar o sistema ao seu favor, uma vez que é impossível derrotá-lo? E uma das formas mais interessantes que Lang articula este tema é através da metalinguagem. Quem estabelece as normas narrativas (diegéticas) às quais os personagens devem se submeter é o diretor do filme. Logo, a disputa contra a “máquina-Destino” torna-se uma disputa pelo controle da narrativa e do filme em si6.
A Morte Cansada7 (Der Müde Tod, 1921), seu primeiro clássico mudo, escrito em parceria com sua futura noiva Thea Von Harbou, Lang já articula brilhantemente esses conceitos, em uma história que é aos mesmo tempo profundamente poética, carregada de rimas visuais e simbolismos imagéticos (e, claro, alegorias) como também toma emprestada sua temática e estrutura dos populares contos de fadas germânicos.
A história acompanha uma donzela (Lil Dagover) que tenta impedir que a Morte (Bernhard Goetzke) leve seu amado (Walter Janssen) para “o outro lado” (o Reino da Morte/Paraíso), simbolizado por um enorme muro, intransponível (e que sem dúvida inspirou Alan Parker em seu filme Pink Floyd The Wall). A jovem bebe veneno e consegue seu encontro prematuro com a Morte, que a desafia a tentar impedir que uma mulher perca seu amado para a Morte em três histórias diferentes. Cada história, simbolizada pela chama de uma vela, se passa em uma região e período histórico diferente: o califado de Bagdad; a Veneza Renascentista e uma versão conto de fadas da China antiga. Em cada história, Lil Dagover, Walter Janssen e Bernhard Goetzke representam personagens diferentes mais análogos ao seus do “presente”. E, em cada história, a jovem perde seu amado para a Morte, com Lang/Harbou reforçando a inevitabilidade da Morte e, portanto, da “máquina-Destino”.
A Morte invade o espaço de felicidade do casal. A Jovem tem uma visão aterradora da máquina-Destino: o copo de cerveja se torna uma ampulheta, um sinal iminente e implacável da Morte, uma contagem regressiva inflexível e insensível.
Uma personagem visionária: a Jovem tem uma visão sobre uma realidade que se oculta atrás de outra. Ela, agora, enxerga uma verdade que se oculta para outras pessoas.
A repetição de cada uma das histórias, que terminam de forma idêntica, reforça o fatalismo da trama de Lang/Harbou. A Morte aqui é a personificação em si do Destino e o fato de que o desafio dela (da Morte) é engendrado através de formas narrativas reforça o aspecto metalinguístico da trama. Mas, num recurso bastante sutil, a Morte está cansada pois, ela em si não deseja matar ninguém - simplesmente cumpre seu papel na trama, levando os mortos para o outro lado quando a sua hora chega. E quem que lhe deu este papel? Uma força invisível, superior: o próprio Lang. E um dos recursos que Lang sugere isso é que, em cada uma das três histórias, a Morte, disfarçada como algum outro personagem, está sempre a serviço de tiranos (e lembremos que o próprio Lang foi repetidamente comparado a um ao longo de toda a sua carreira).
Em um de seus primeiros filmes, As Aranhas Parte 2: O Barco de Diamantes (Die Spinnen Teil 2: Das Brillantenschiff, 1920) Lang já articula essa temática visualmente. Logo no início do filme, que se passa na selva de arranha-céus de Nova York, vemos a organização secreta As Aranhas assaltando um banco, e Lang e seu diretor de fotografia Karl Freund enquadra a ação em um plano aberto, elevado, quase plongée. Segundo Tom Gunning, tal enquadramento, que transforma os cubículos de escritório em um tabuleiro de xadrez, também revela a máquina-Destino, onde os personagens percorrem caminhos já previamente traçados para eles (pelo diretor/Destino). Ver The Films of Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity, pág. 91.
É interessante ler a trilogia Alien tendo os conceitos de máquina-Destino e A morte cansada em particular. Assim como o tríptico de Lang, todos os filmes da série Alien terminam de forma apocalíptica: a explosão da Nostromo; a explosão do reator em LV-426; a morte de Ripley, que se atira em um caldeirão infernal de lava (metal derretido). Na verdade, o que Fincher sugere em seu filme é que o apocalipse sempre é adiado, mas que, no terceiro filme, o tempo de Ripley acabou.
A luta contra o tempo também é um recurso recorrente nos clímaxes dos três filmes (e nas três histórias que compõe o filme de Lang). Geralmente um sistema de auto-destruição é ativado, e Ripley deve fazer sua fuga sobre a pressão implacável do tempo, escapando no último instante possível. No filme de Fincher, a auto-destruição não é de uma nave ou de uma colônia, mas sim a de Ripley em si, que deve fazer seu sacrifício antes que a Companhia (a verdadeira força apocalíptica da trama) consiga “salvá-la”.
Essa ideia é inclusive simbolizada na própria direção de arte e desenho de produção do filme. O processo caótico e desconjuntado de produção do filme ajudaram Fincher, nesse sentido, a realizar o mundo e o conflito de Ripley visualmente neste terceiro filme. É um mundo que está literalmente caindo aos pedaços, se dissolvendo, aguardando seu fim.
Fiorina 161 é um amontoado de metal e concreto, com pouca ou nenhuma tecnologia de ponta em si. Os típicos recursos visuais que identificariam o filme como ficção-científica, tão presentes nos filmes anteriores, quase não estão presentes no filme de Fincher. Os cenários, que começaram a ser construídos quando Vincent Ward ainda estava na direção, foram interrompidos e alterados pelos produtores que voltaram à ideia de David Twohy, de um “planeta prisão”. Isso dá a Alien 3 um certo visual desconjuntado, com cenários remetendo por vezes ao filme de Scott (os cenários industriais e corredores apertados), e por vezes ao azul-metálico que predominou no filme de Cameron (o local onde os presos congregam). A solução que Fincher encontrou, junto ao produtor Norman Reynolds, foi criar cenários e locações que complementem os dois estilos, ao mesmo tempo em que conferem um visual único a Alien 3.
Inspirado no artista escocês Charles Rennie Mackintosh (1868-1928), que misturava os estilos Arts and Crafts com o Art Nouveau em suas obras, Fincher e Reynolds também buscaram inspirações na Art Deco e Vitoriana: “‘(…) [Não se sabe quando foi tudo construído’, explica ele [Fincher]. ‘Poderia ser como uma de nossas igrejas antigas (…) A maioria de nossas igrejas teve acréscimos e ampliações’” [“ ‘(…) [T]here’s no telling quite when it was all built’, he [Fincher] explains. ‘It could be like one of our old churches (…) Most of our churches have had additions and enlargements’ ”]8.
Essa mistura de estilos continua mesmo na superfície do planeta (que quase não aparece no filme, mesmo na versão estendida), com as estruturas metálicas e industriais que pontuam o horizonte de Fiorina 161. Reynolds se inspirou em arquitetura soviética e construtivista dos anos 30 para construí-las9.
No entanto, os cenários mais marcantes e memoráveis de Alien 3 são, sem dúvida, o morgue e a enfermeira. O morgue, onde ocorre a perturbadora cena da autópsia em Newt, é um calabouço Vitoriano, com uma escada metálica, em espiral, ricamente detalhada. O cenário poderia servir perfeitamente a um filme de Sherlock Holmes ou a uma aventura de Auguste Dupin, o investigador de Edgar Allan Poe.
A enfermaria, onde ocorre tanto a morte de Clemens quanto o confronto “cara-a-cara” entre Ripley e o alien, segue o mesmo princípio de design do morgue, reunindo elementos do Art Deco e do período Vitoriano, com as cortinas plásticas dando um toque final de matadouro à cena.
Fiorina 161 é, portanto, assim como a Metrópolis de Lang, um lugar que existe fora do tempo. Muito da complicada recepção do filme de Lang se deu, no âmbito da ficção-científica, pois o futuro visto por Lang e Thea Von Harbou é anacrônico. Instrumentos mecânicos e carros contemporâneos convivem lado-a-lado com com invenções futuristas, como robôs e andróides. E a própria tecnologia do filme é produto de magia negra e alquimia: atrás de Futura, o robô que se tornará a Falsa-Maria, vemos um pentagrama.
O gótico existe no cerne do moderno, proporcionando outra função às “camadas” da cidade de Metrópole. Metrópole não é simplesmente uma nova cidade moderna, mas um palimpsesto cujas camadas (…) contêm vestígios de sistemas de crenças anteriores. Lang deixa claro que essas camadas reprimidas estão apenas adormecidas e podem ser chamadas de volta à vida.10
Rotwang é emblemático: se veste com trajes escuros que lembram as vestes de um monge, mas uma de suas mãos é mecânica (antecipando o Dr. Strangelove, de Stanley Kubrick); seu laboratório é preenchido, em igual medida, por aparatos tecnológicos e científicos e tomos antigos, pergaminhos de aspecto medieval. Sua casa/laboratório em si é um resquício gótico, co-existindo lado a lado com os arranha-céus modernos de Metrópolis. Como diz Tom Gunning, uma das principais alegorias da modernidade articuladas por Metrópolis é que, no futuro, o passado (irracional, ocultista) se fará presente como um “retorno do reprimido”, deslocando poderosas energias que arriscam destruir a sociedade de forma apocalíptica11.
E Metrópolis articula um dos tropos mais antigos da história da alegoria: a cidade como um organismo humano12. Visualmente, Lang e Harbou nos mostram isso através das inúmeras visões que Freder tem: a grande máquina abaixo da superfície revela-se como Moloch, o monstro/demônio bíblico. Essa imagem é complementada por diversas outras, como a associação entre Metrópolis com a Torre de Babel, os Sete Pecados Capitais carregando a Meretriz da Babilônia (a verdadeira natureza da Falsa-Maria, como instigadora do caos e da anarquia entrópica).
Freder emerge como o Mediador, aquele capaz de resolver os conflitos insolúveis, marcados por oposições simétricas e doppelgängers: Trabalhadores/Escravos X Arquitetos de Metrópolis/Líderes da Babilônia; Maria (pura, casta, bondosa, guardiã da verdadeira fé) X Falsa-Maria (impura, promíscua, maligna, representante da falsa religião); Joh Fredersen (racional, preciso, pouco emotivo, guardião da ciência) X Rotwang (irracional, alucinado, insano e guardião do ocultismo). Joh Fredersen e Rotwang são espelhados de tal maneira que Hel, esposa de Fredersen, também era amante de Rotwang (essa história foi cortada das versões subsequentes e hoje é dada como perdida). Além dessas oposições, no âmbito da temática, temos os conflitos entre Passado X Futuro; Gótico X Moderno; Orgânico (Maria) X Artificial (Falsa-Maria); Biológico X Tecnológico; Verdade X Mentira. E Verdade e Mentira são temas fundamentais a Lang, cuja preocupação com a Verdade que se oculta atrás de aparências mentirosas (a sociedade, a cultura, o próprio rosto das pessoas). Esses embates, que se articulam em seu filme em conflitos que beiram a vida e a morte adquirem conotações apocalípticas. E isso é verdade tanto em Metrópolis quanto em A Morte Cansada - e também em Alien 3.
Desde o visual dos prisioneiros, que remete aos trabalhadores/escravos de Metrópolis, passando pela própria articulação entre Gótico e Modernidade, entre horror primitivo e ficção-científica, vemos uma série de temas langianos re-aparecerem no filme de Fincher, em especial aqueles de seus filmes mudos, cujo conjunto Tom Gunning denomina de “alegorias da Morte”, formado pelo tríptico A Morte Cansada, Os Nibelungos Parte 1: A Morte de Siegfried e Metrópolis. Alien, cuja série postula humanos em um futuro Gótico em conflito com criaturas biomecânicas e andróides, é também pontuado por imagens cósmicas (Lovecraft) e religiosas, assim como Metrópolis. Nesse sentido, é interessante ver como Fincher, já tendo trabalhado em Express Yourself e com a própria persona pop de Madonna já tinha abordado esses temas, em especial na figura da Mulher e do feminino. A femme fatale Madonna, inspirada nas duas Marias de Metrópolis, é um esboço para a Ripley de Alien 3.
Submetida ao poder implacável do tempo apocalíptico, e cara-a-cara com a Morte (e lembremos que, embaixo da redoma semi-transparente da cabeça do alien, há uma caveira humana), cabe a Ripley, assim como uma personagem de Lang, ler e compreender os sinais para que ela possa vislumbrar a máquina-Destino que controla a realidade de forma oculta e invisível. Newt e Hicks são mortos off-screen, de forma fria e implacável por Fincher, que sequer concede uma morte tipicamente hollywoodiana a eles.
Ripley, assim como a Jovem em A Morte Cansada, começa a ler os sinais: a queimadura de ácido na nave que a trouxe até a Fiorina 161 é um indicativo de que houve interferência de um alien. A autópsia em Newt é o passo seguinte. A cena, que antecipa os assassinatos de Se7en, é filmada de forma brutal por Fincher, sem ser explícita, mas, com a sugestão de sangue escorrendo e efeitos sonoros, é altamente sugestiva, deixando ao espectador o papel de visualiza-la em sua mente. A cena também é excelente ao revelar o caráter duro e pragmático de Ripley. Lembremos que, no primeiro filme, mesmo com Kane ferido pelo alien, Ripley barrou a entrada dele e de seus companheiros para respeitar o protocolo de quarentena - isto teria potencialmente salvo a tripulação, não fosse por Ash; logo, Ripley, ao requisitar uma autópsia em sua “filha”, está sendo igualmente prudente como foi no primeiro filme.
Concluída a autópsia e ainda não tendo localizado a criatura, Fincher faz uma das sequências mais cruéis do filme. O ritual de cremação de Hicks e Newt - sua família adotiva - é relacionada ao nascimento do alien em si. Neste momento, ainda não sabemos que é Ripley quem carrega o embrião da rainha alien. No entanto, dotados dessa informação, a cena ganha uma conotação macabra: a família adotiva de Ripley, humana, é eliminada, enquanto que a sua verdadeira família, a alienígena, nasce naquele momento. A rainha alien assume o papel de Newt, e o alien, o de Hicks (do marido, portanto): aquele que irá proteger a fêmea, grávida e vulnerável. Fincher continua o tema da inversão já presente no primeiro filme, mas com toques perversos, mostrando que a máquina-Destino em Alien 3 não é só trágica, mas também irônica e cruel.
O visual do matadouro onde os prisioneiros deixam a carcaça do boi infectado com o alien remete não só à arquitetura da enfermaria, mas, principalmente, ao de uma igreja. A luz, os vitrais e a própria ideia de que ali teremos o nascimento do alien contrasta diretamente com o visual industrial e infernal da cremação de Hicks e Newt. Fincher sugere o caráter religioso e apocalíptico do alien nessa cena, mas com ironia, visto que o alien é, em si, o dragão, o arauto do anti-Cristo.
Quando Dillon e os prisioneiros esticam seus braços, com o punho fechado, Fincher corta para o alien “esticando” e revelando a sua boca interna.
O próximo passo na investigação de Ripley é religar o profundamente danificado andróide Bishop (Lance Henriksen). Ele informa a ela que um alien de fato esteve presente na nave Sulaco, sendo o responsável pelos danos na nave e pelas mortes acidentais de Hicks e Newt. Ripley tem está próxima de ter o seu “momento revelação”, tornando-se uma das personagens visionárias de Lang: ela sabe que há uma criatura solta na prisão. Mas, como também é típico, ninguém acredita nela e na sua história, tal como ocorreu no segundo filme (Golic, um prisioneiro que sobrevive a um ataque do alien, chamando-o de “Dragão”, é dado como insano e, portanto, pouco confiável). Os prisioneiros só passam a acreditar em Ripley após Andrews (Brian Glover), o diretor da prisão, ser morto pelo alien na frente de todos.
Após o ataque na enfermaria, o alien misteriosamente poupa Ripley, mesmo tendo ampla oportunidade de matá-la. Por quê não o fez? Isso leva Ripley a suspeitar de que ela esteja sendo, de alguma forma, protegida pelo alien. E isso a leva a requisitar um “ultrassom”. E, ao ver que ela está impregnada por uma rainha alien, Ripley por fim se torna uma personagem visionária no sentido langiana: ela literalmente vislumbrou a máquina-Destino, o mecanismo da (sua) realidade que está oculto dentro dela. E, nesse momento, cabe a Ripley decidir se ela vai, mais uma vez, como nos filmes anteriores, enfrentar a máquina-Destino ou, como o fez a Jovem em A Morte Cansada, tentar fazer com que o sistema trabalhe a seu favor.
O reflexo da tela do ultrassom, que revela o embrião do alien para Ripley remete a um recurso visual langiano: a sobreposição de imagens, geralmente através do “cross-dissolve”. É o que ocorre em Metrópolis com a cena visionária de Freder, que percebe Moloch na grande máquina. Ou então a ampulheta, oculta por trás de um copo de cerveja, em A Morte Cansada.
Um detalhe importante, que antecipa esta revelação, é que Fincher, desde o início do filme, pontuou que Ripley era, de alguma forma, responsável pelo horror que estava por vir. Em primeiro lugar, quando Clemens, na praia, avista o corpo de Ripley, ele está sujo, coberto de fuligem negra (semelhante ao aspecto do alien) e insetos. É um clássico exemplo de “horror metonímico”:
O horror metonímico é um meio de enfatizar a natureza impura e repugnante da criatura - de fora, por assim dizer - associando esse ser a objetos e entidades que já são insultados: partes de corpos, vermes, esqueletos e todo tipo de sujeira. A criatura horrível é essencialmente um composto de perigo e repulsa e cada uma dessas estruturas fornece um meio de desenvolver esses atributos em conjunto.13
Lembremos que vampiros são geralmente associados a ratos e morcegos, criaturas que, além de causar repulsa, geram medo pelo seu potencial de espalhar pragas e pestilência (tal qual os aliens, que se espalharam, no segundo filme, “contaminando” toda uma colônia). O próximo passo é o olho esquerdo de Ripley, ferido, injetado de sangue e com a íris inchada. Isso já nos antecipa o seu papel visionário, mas também desfigura o seu rosto, perturbando a sua simetria. Ripley teve contato com o monstro, o alien, e isso também a tornou impura.
Isto é, o monstro na ficção de terror não é apenas letal, mas - e isto é de extrema importância - também nojento. Além disso, esta combinação de afetos pode ser bastante explícita na própria linguagem das histórias de terror (…) Pouco antes de o monstro ser visualizado para o público, muitas vezes vemos os personagens estremecerem de descrença, respondendo a esta ou aquela violação da natureza. (…) Junto com o medo de danos físicos graves, há uma evidente aversão a fazer contato físico com o monstro.14
A reação dos prisioneiros, no refeitório, à chegada de Ripley, é exemplar nesse sentido. É o Outro invadindo aquele ambiente. O jogo de olhares é fundamental.
Os monstros são considerados violações da natureza e anormais, e isso fica claro nas reações dos protagonistas. Eles não apenas temem esses monstros; eles os consideram repelentes, repugnantes, repugnantes, repulsivos e impuros. Eles não são naturais no sentido de que são desajustados metafísicos e, em consequência, provocam repulsa em personagens de ficção (…). [grifos meus]15
Ripley, como mulher, vinda do espaço, é incongruente naquele ambiente. Não é bem-vinda. Aos olhos dos prisioneiros, crentes em uma religião apocalíptica, Ripley suscita sentimentos contraditórios de repulsa e desejo, de sexo e violência (e que serão dramatizados na cena da tentativa de estupro). Estamos mais uma vez no terreno do Gótico, conectando Alien 3 ao primeiro filme:
Definidas como outras em relação ao homem, as mulheres estão subordinadas a um regime de ideias, valores e práticas (patriarcado) em que a sua posição é demarcada e autorizada pela “natureza” como diferente e inferior aos homens em termos de poderes racionais, carácter moral, características físicas. força. Embora idealizada romanticamente em termos de beleza ou domesticamente em termos de afetos maternos, a alteridade feminina (…) está ligada à (…) decoratividade, natureza e mercadorias e mantida através de figuras de monstruosidade. (…) [A]busos como casamento forçado, sequestro de si mesmo e de propriedade ou ameaças de violação, assassinato ou prisão permanecem questões recorrentes, aparentes e abomináveis nas ficções góticas. O prazer e o medo acompanham as histórias de mulheres perseguidas por corredores escuros e as ficções apenas endossam uma mensagem inequivocamente emancipatória. Por vezes parecendo permitir a fantasia masculina salivando sobre as imagens da feminilidade indefesa e vulnerável, reproduzindo assim as posições dos vilões, as ficções também revelam uma série de injustiças infligidas às mulheres.16 [grifos meus]
Ora, tanto o jogo de olhares, quanto o próprio papel duplo de Ripley (sua natureza ambígua simbolizada pelos seus olhos, o “normal” e o ferido) é exatamente o mesmo desempenhado por Maria e Falsa-Maria em Metrópolis, em especial na cena da Meretriz da Babilônia. Falsa-Maria é impura pois seu aspecto humano (biológico, orgânico) oculta um esqueleto robótico (tecnológico, inorgânico). É, também, a paranóia que a femme fatale suscita nos homens, reforçando o caráter noir que Fincher trouxe à sua interpretação de de Ripley e, também, do próprio filme de Scott.
Ao longo da trilogia Alien temos cenas de refeitório que são instrumentais para o desenvolvimento dos filmes. No primeiro Alien, a cena do refeitório é usada, no início, para apresentar a tripulação da Nostromo ao espectador, assim como a hierarquia da nave e as personalidades de cada membro da tripulação. Depois, é a cena do nascimento violento da criatura. No segundo filme, conhecemos os fuzileiros coloniais durante o “café da manhã”. E, no terceiro filme, além da cena acima, temos também a cena da morte de Andrews, que convence enfim os prisioneiros de que há uma criatura solta na prisão, e que eles precisam fazer algo para contê-la ou matá-la.
E o filme de Fincher é, de fato, uma repetição do filme de Scott: ação dramática que se passa em uma locação confinada, com um elenco de personagens que são mortos um a um por um único alien, e pouco armamento para enfrentá-lo. Além disso, o filme de Fincher termina como o de Scott começa: com planos contemplativos das instalações de Fiorina 161, vazias, até chegar à tela de computador anunciando, metalinquisticamente, o “Fim da Transmissão”. O filme de Scott, lembremos, começava com planos contemplativos dos corredores e instalações da nave, terminando em uma tela de computador, semelhante à utilizada por Fincher, anunciando o comunicado de emergência captado pelo computador Mãe.
O círculo se fecha com Alien 3 também ao retomar o horror lovecraftniano do filme de Scott, na forma que o filme faz da sua imagética religiosa. Se, por um lado, é mais um ponto de conexão com Metrópolis, afinal, o filme de Lang era repleto de imagens bíblicas que ilustravam tanto a história da Torre de Babel quanto a do Apocalipse, Alien 3 também usa a religião não só nesse sentido mas também como um forma de imprimir uma marca de horror cósmico. Segundo Lovecraft, o medo não é só um sentimento que sentimos diante do perigo ou da morte, mas sim uma emoção mais primordial (Gótica), conectada ao nosso passado primitivo. O medo cósmico está diretamente relacionado ao sublime, um sentimento causado por uma experiência análogos à religiosa. O medo cósmico nos informa sobre uma verdade que se oculta por trás da a aparência da realidade17 - ou seja, há sem dúvida um paralelo com o “mecanismo visionário” presente em inúmeros filmes de Lang.
Logo após Ripley ser consumida pelas chamas da caldeira, Fincher corta para o plano exterior da fábrica, e vemos que as chamas estão apagando. Assim que elas se extinguem, Fincher corta para um plano onde vemos a curvatura do planeta Fiorina 161 sendo iluminada pelo sol. É um plano que não só remete ao famoso match cut que David Lean empregou em Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962), como também, conecta mais uma vez a Metrópolis: Moloch foi saciado, e o Apocalipse, impedido. O sol artificial, tecnológico, foi extinguido, permitindo que o sol real, natural, pudesse aparecer.
Como vimos em A Morte Cansada, a repetição é um recurso estético feito para reforçar o fatalismo inerente à jornada de Ellen Ripley. Gunning percebe que (seguindo Walter Benjamin18), A Morte Cansada é uma Trauerspiel, uma tragédia barroca, cujo principal recurso estético é o emprego da alegoria.
Os contos incorporados de Der müde Tod compartilham a preocupação do Trauerspiel com governantes e intrigantes tirânicos e uma visão pessimista e cíclica da história humana. O que estes contos de diferentes períodos históricos partilham mais fortemente com a vasta alegoria de Griffith, Intolerância [Intolerância, 1916, de D.W. Griffith] é o aspecto que Miriam Hansen relaciona com a descrição da história feita por Benjamin no Trauerspiel: a apresentação dramática de cada episódio histórico como um incidente em “um acúmulo de catástrofe”.19 [grifos meus]
Alien 3 pode não ser uma Trauerspiel, mas certamente compartilha com ela diversos elementos. O caráter cíclico da história do filme de Fincher, que repete a trama do primeiro filme, reforça a visão pessimista da história humana. O próprio ciclo de vida do alien, que perverte o ciclo de vida humano, contém esse elemento trágico. O filme de Fincher não é uma negação do filme de Cameron, mas sim a sua conclusão lógica. Conclusão essa que se dá porque ele recupera os temas que já estavam presentes no filme de Scott. Além disso, como vimos, o final de cada filme remete ao apocalipse ou, como diz Tom Gunning, cada “episódio” dessa saga é um acúmulo de catástrofes - que só podem ser interrompidas pelo sacrifício de Ripley.
Numa típica operação Gótica, Fincher (assim como Ridley Scott, antes dele) resgata o passado que permanece no presente (ou, nesse caso, no futuro distante, pós-industrial20). O mundo de Ripley não é pós-apocalíptico - é um mundo que está na véspera de um apocalipse. Seu mundo, com elementos visuais que remetem tanto ao passado da série quanto ao passado da história da arte e da arquitetura, está infectado por uma corrupção, que enferruja e apodrece o mundo. Seu tempo está acabando, e o seu mundo também.
O Gótico de Ridley Scott era mais próximo das clássicas narrativas de Ann Radcliffe e Horace Walpole (e Scott inclusive se inspirou em castelos góticos para criar o visual da refinaria que é rebocada pela Nostromo); o Gótico de Fincher é resgatado na direção de arte e também na temática, ao trabalhar numa chave trágica, langiana.
Pois o homem que é vítima da queda trágica não pode ser, segundo Aristóteles, nem moralmente perfeito nem reprovável (é como se, de antemão, fossem rejeitados o herói virtuoso e o vilão do drama didático estóico), mas, ao contrário, precisa ter no essencial nossos traços, devendo mesmo ser um pouco melhor do que somos em média. Daí resulta a exigência do bastante citado caráter “médio”, um conceito que só com muito trabalho conseguimos aplicar às personagens da tragédia ática, mas que encerra a exigência acertada de que a verdadeira tragédia deve deixar sempre aberta a possibilidade de relação com o nosso próprio ser.21
Ripley é uma típica heroína trágica, nesse sentido. Como uma “proletária do espaço”, abaixo do Capitão Dallas (Tom Skerritt) e do oficial científico Ash (Ian Holm), questões de classe sempre estiveram presentes na série Alien - e, mais significativamente, no primeiro filme, que, ao ser dirigido por um inglês, naturalmente tornou o filme consciente acerca das questões de classe, tão presentes nas artes e na sociedade britânica.
Somente no século passado é que o desenvolvimento da tragédia burguesa pôs fim à idéia de que os protagonistas do acontecer trágico deviam ser reis, homens de Estado ou heróis. (…) só que hoje não mais o interpretamos do ponto de vista de classe social, mas do ponto de vista humano num sentido mais transcendente. E em lugar da alta categoria social dos heróis trágicos, coloca-se agora outro requisito, que eu poderia configurar como considerável altura da queda: o que temos de sentir como trágico deve significar a queda de um mundo ilusório de segurança e felicidade para o abismo da desgraça ineludível. (…) A autêntica tragédia está sempre ligada a um decurso de acontecimentos de intenso dinamismo. A simples descrição de um estado de miséria, necessidade e abjeção pode comover-nos profundamente e atingir a nossa consciência com muito apelo, mas o trágico, ainda assim, não tem lugar aqui.22
Ripley é um personagem de origem comum; ao contrário da tragédia clássica, ela não é parte da realeza (pelo contrário, ela dará a luz a uma rainha, ainda que alienígena - uma espécie de perversão e inversão dos conceitos de realeza e maternidade). Se a Ripley de Scott era uma atualização da típica heroína gótica e a de Cameron, uma heroína de ação dos anos 80, a de Fincher é uma heroína trágica, uma “Medéia noir”, se quisermos forçar os conceitos.
O “sentido mais transcendente”, que sempre esteve presente na série Alien (em grande parte por conta de sua raiz lovecraftniana), se dá totalmente no filme de Fincher, com a religião apocalíptica dos presidiários (e lembremos que os finais dos dois primeiros filmes não são outra coisa que não apocalípticos), uma religião que ao mesmo tempo conecta Alien 3 com os operários de Metrópolis e também com um cristianismo mais antigo, pré-feudal. Os prisioneiros de Alien 3
vivem na estrutura extremamente patriarcal e autoritária de uma prisão e, como convertidos a um cristianismo fundamentalista, submeteram-se duplamente à Lei do Pai. Daí o título inteligente. Estes prisioneiros são estrangeiros e excluídos da sociedade humana; nesta comunidade de homens violentos, a própria Ripley é “alienígena” e, claro, o monstro alienígena pegou carona em sua nave espacial, invadindo este planeta também. Os três tipos de alienação interagem, portanto, não aritmeticamente, mas exponencialmente. Neste filme a misoginia inerente ao Gótico Masculino torna-se evidente. O abjeto “alienígena” é um invasor que em seu poder de ignorar fronteiras (de corpos, de navios) destrói a cultura e a própria vida.23
O horizonte de possibilidades (de fuga) de Ripley se fecha terrivelmente em Alien 3: no primeiro filme, Ripley esteve à mercê do alien e também à “lei” da Mãe: o supercomputador Mother, cuja inteligência está à serviço da Weyland-Yutani, personificada no “bom filho” Ash, um andróide (e que reaparece no final de Alien 3, na forma de um novo modelo do andróide Bishop24); já no filme de Fincher, Ripley, como bem notou Anne Williams, está à mercê da Lei do Pai (a religião apocalíptica dos prisioneiros) e também ao alien, o embrião da Rainha que carrega em seu ventre. Essa “internalização” do alien, do Outro (do outsider) é importante pois conecta, mais uma vez, o filme de Fincher ao de Fritz Lang.
Ripley, como vimos, agrega em si as duas Marias de Metrópolis: a primeira, bondosa, é a líder espiritual dos operários que habitam o subterrâneo da cidade título; já a segunda, é uma doppelgänger maligna, uma andróide que personifica o caos. O que a Falsa-Maria (e Rotwang, por extensão) faz é instigar a luta de classes e, com isso, a auto-destruição de Metrópolis, que ao final do filme está à beira de um apocalipse entrópico. E a selvageria é algo que a fé dos prisioneiros mal consegue conter, e escapa com a chegada do alien (Ripley, no caso). Na cena da tentativa de estupro, vemos o prisioneiro Junior (Holt McCallany) converter seu rosto em uma máscara de selvageria, não muito diferente daquela empregada pelo alien momentos depois, ao devorar outros prisioneiros:
Assim, tal como em Jack/O Narrador, há algo de “totalmente selvagem” na natureza de Ripley. Essa selvageria, que está presente tanto em Clube da luta quanto nos finais dos primeiros filmes da série Alien tem consequências apocalípticas. Ripley, de forma semelhante, carrega em si a “Falsa-Ripley”.
O gótico sempre foi uma questão de replicação em oposição à reprodução. Não é por acaso que a vampira foi frequentemente associada ao lesbianismo (mais gloriosamente naquele que é talvez o filme gótico definitivo, The Hunger [Fome de viver, 1983, de Tony Scott, irmão de Ridley]), porque vampiros e lésbicas (como máquinas ) apresentam o horror (…) de um poder propagativo que não tem utilidade para a semente masculina. Por outro lado, o “gótico feminino” muitas vezes patologiza a gravidez, utilizando a linguagem do horror para descrever a tomada gradual do corpo por uma entidade que é ao mesmo tempo terrivelmente familiar e impossivelmente estranha (…) uma linhagem de horror feminino que viu “a gravidez em termos da terrível rapacidade do mundo dos insetos”, como uma “infestação parasitária”. 25[grifos meus]
O alien, nesse sentido, é como um vampiro: suas vítimas, ao tornarem-se hospedeiros de embriões alienígenas, não vão necessariamente se reproduzir, mas se replicar, se multiplicar como insetos, “fabricando” novas cópias de si mesmo. É uma perversão do ato sexual (pois sugere o estupro) e também uma perversão da gravidez e concepção humanas. Se o vampiro, uma criatura que não respeita limites nem fronteiras (é um morto-vivo), ainda mantém sua forma humana, o alien, por outro lado, é ainda mais estranho (weird, no “sentido” lovecraftniano da palavra): sua forma é vagamente humana, seu sangue é ácido e sua cor, escura, tal qual uma sombra. O alien é a personificação do Outro, que pertence a um universo que vai além da mera compreensão. Essa indefinição da criatura, que tanto a aproxima dos monstros de Lovecraft, permite que ela seja ressignificada (ainda que vagamente) nos diferentes filmes da série. Em Alien 3, os prisioneiros a compreendem como um demônio, uma criatura enviada diretamente da escuridão incognoscível do espaço - pensemos no meteorito de A cor que caiu do céu (1927), de Lovecraft, ao contrário dos shoggoth de Nas montanhas da loucura, que informaram o primeiro filme da franquia.
Poucas cenas em Alien 3 são mais reveladoras da máquina-Destino que o primeiro ataque do alien. Um prisioneiro é atacado pelo alien, enquanto este ainda está crescendo e se desenvolvendo, e escorrega pelo duto de ventilação, sendo triturado pelas pás do ventilador industrial. O visual do ventilador inclusive remete a um relógio.
Já no segundo ataque, a ação se dá em um corredor todo iluminado por velas, com as chamas se apagando à medida que o alien se aproxima dos prisioneiros, eventualmente matando um deles. O visual aqui, assim como o uso das velas, remetem diretamente à A Morte Cansada.
Os filmes da franquia Alien, portanto, não só continuam o Gótico em suas ambivalências formais e temáticas, como também atualizam, por assim dizer, o horror da reprodução. O medo do estupro é palpável nas heroínas de Radcliffe, Walpole e Lewis. E, o interessante é que, nos dois primeiros filmes, Ripley consegue escapar desse horror - ao passo que seus colegas e amigos, não (e é significativo que o alien no primeiro filme “nasça" de um homem, Kane [John Hurt]26). No filme de Fincher, no entanto, Ripley não só é “estuprada” (off-screen) pelo alien, como agora carrega o seu embrião - e não é qualquer embrião, mas sim o da Rainha alien - esta sim com a capacidade de se reproduzir e tornar-se mãe, ao contrário de Ripley, que teve isso negado a ela duas vezes27. Pensando em termos apocalípticos, a “Falsa-Ripley”/Maria está grávida do Anti-Cristo.
A Ripley do filme de Fincher está longe de ser uma heroína tal qual a versão de James Cameron: aqui, ela é vulnerável, assombrada pelos seus fracassos e pelas mortes que seu contato com o alien ocasionaram. O relacionamento sexual que ela desenvolve com Clemens (Charles Dance) é inédito para a personagem que, apesar de sexualizada (em especial no clímax do primeiro filme), estava claramente codificada como uma típica heroína gótica (ainda que proletária) e, no segundo filme, reconfigurada como heroína de ação e mãe adotiva. Aqui, sua vulnerabilidade e desejo de fuga de sua própria realidade se traduzem no relacionamento com Clemens.
Confrontada por uma religião fundamentalista e patriarcal, literalmente escapando de um estupro coletivo (e sendo resgatada por um homem), Ripley, assim como as heroínas de Radcliffe e Walpole, re-encena o Gótico clássico: “O eixo da perseguição-proteção patriarcal se coloca num horizonte romântico de liberdade” [“The axis of patriarchal persecution-protection is set against a romantic horizon of freedom”]28. O “horizonte romântico da liberdade” mencionado por Botting se dá, evidentemente, na relação com Clemens. A forma abrupta que esse relacionamento acontece no filme sem dúvida se dá pelas inúmeras interferências e cortes que o filme sofreu ao longo de seu extenso e conturbado processo de produção (algo que não é aliviado no Assembly Cut) e, da forma que se dá, tão próxima à morte de Hicks (Michael Biehn), parece ser uma traição à sua memória, algo pouco característico à personagem Ripley. Sobre essas questões, é importante nos voltarmos a Anne Williams:
Significativamente, apesar do foco da trilogia na “reprodução” monstruosa, o único ato sexual humano dos três filmes ocorre no início, quando Ripley dorme com o médico da colônia. Ele é quase imediatamente devorado pelo Alien. Como este planeta é tão infestado de piolhos, dizem a Ripley, sua cabeça deve ser raspada, dando-lhe assim uma aparência andrógina. Mas esta punição também lembra a punição tradicionalmente aplicada às mulheres que se acredita terem convivido com o inimigo. (Aqui, implicitamente, ao envolver-se em comportamento sexual, ao agir de acordo com os impulsos da sua natureza “feminina”, Ripley declarou a sua fidelidade à “alteridade” feminina do “alienígena” e à sua horrível replicabilidade.) Portanto, é simbolicamente apropriado. que pouco depois Ripley descobre que um dos Aliens está incubando seu próprio corpo, uma “gravidez” metafórica após o encontro sexual. Parece que ela conseguiu conquistar o alienígena no final do filme anterior porque sua “maternidade” permaneceu figurativa. Na verdade, tal como o Galahad arturiano, cuja “força era a força de dez / Porque o seu coração era puro”, o seu heroísmo parece estar magicamente ligado a pelo menos uma virgindade aparente. (De acordo com o motivo de sua androginia, Ripley é destruída depois que ela - como Sansão - foi despojada de seus cabelos).29
Como Williams nota, Ripley, seguindo os passos de Mina Harker no romance de Bram Stoker, mesmo “infectada” pelo vampiro, ajuda os homens a derrotar o monstro, mesmo que isso possa destruí-la (o que de fato ocorre no filme de Fincher).
Apesar dos inúmeros (e insuperáveis) problemas que enfrentou ao longo da árdua produção de Alien 3, a experiência, por mais traumática que tenha sido para Fincher, tornou-se valiosa. A partir dela, Fincher passou a escolher seus projetos cuidadosamente (a lista de projetos abandonados em diferentes fases de desenvolvimento e produção é consideravelmente maior do que a de filmes e séries concluídas e lançadas: no capítulo “Conclusão” o leitor pode conferir os projetos abandonados de David Fincher) e lutou para garantir o máximo de liberdade criativa para que a experiência de Alien 3 não se repetisse. Como relembra Michael Alan Kahn, que também foi assistente de direção em Se7en:
Pouco depois do início da produção de Se7en, de 1995, “tive um daqueles momentos em que olhei em volta e apreciei onde estava”, diz Kahn. Fincher costumava admitir para Kahn o quanto desejava outra chance de fazer um filme. “Fui até Fincher e disse: ‘Olha isso! Olhar! Está aqui! Estava aqui! Você fez isso! Estamos gravando um filme! Lá está Morgan Freeman. Aí está Brad [Pitt]. Lá está Kevin Spacey. … Isso não é incrível? Isso não é maravilhoso? Isso é o que você queria.' E ele olhou para mim como se eu fosse do espaço sideral e disse: 'Não, é horrível.' E eu olhei para ele e disse: 'Por que é horrível?' E ele disse, e Quero dizer, sinceramente: 'Porque agora tenho que tirar o que está na minha cabeça de todos vocês, cretinos.'” No início de sua carreira, Fincher já sabia que não importava como um filme inteiro se desenrolasse em seu cérebro, transformá-lo em realidade seria exigir que ele faça uma quantidade infinita de concessões, a maioria das quais só ele perceberia. Mas isso não o impediu de lutar em direção à sua versão de um produto final impecável.30
E, se Alien 3 ensinou a Fincher que ele deveria ter mais controle sobre os seus filmes, por outro lado, a grande angústia e dificuldade dele continuaria sendo como transformar os filmes em sua mente, as imagens que ele cuidadosamente desenhou e criou ao longo do processo de pré-produção, em realidade. Fincher, assim como Alfred Hitchcock, não gostava da parte da filmagem em si, o trabalho no set. Sua parte favorita sempre foi a preparação.
Eu adoro preparação. Isso para mim é muito divertido. Você vai ao local, olha as coisas e pensa: “Uau, e se fizermos isso, e se fizermos aquilo?” É todo esse mundo de possibilidades, e eles [sic] de repente é como [voz mal-intencionada], “Sim, mas você tem que ser capaz de fazer isso em duas horas, e você tem que ser capaz de fazer uma empresa mudar, e então você tem que preparar todo mundo, e então você tem que fazer aquela pessoa se maquiar, e então você tem que receber uma ligação forçada porque eles estavam trabalhando até tarde na noite anterior. Você sabe que tem toda aquela merda pela qual precisa passar.31
Num toque langiano, Fincher passou a ser conhecido entre seus colaboradores mais frequentes pelo apelido de “The Watchmaker” (“O Relojoeiro”32), por conta de sua obsessão por precisão e planejamento. Pois, o que ficou claro para Lang, após os seus “super-filmes” dos anos 20, Os Nibelungos e Metrópolis, com seus vastos cenários construídos em estúdio é que ele poderia ter controle total de toda a “realidade” do filme. Joh Fredersen rege Metrópolis pelos ponteiros de seu relógio (que era o relógio de Lang, na vida real); Lang rege o mundo mítico dos Nibelungos, controlando suas florestas e animais como se ele mesmo fosse a máquina-Destino:
Neste filme [Os Nibelungos] o estranho advém de uma eliminação absoluta do contingente, natural ou acidental, em favor do fortemente concebido, calculado e predeterminado, de modo que até a queda de uma folha pode pôr em movimento a máquina do Destino.33
Fincher precisava desse controle absoluto em Alien 3, mas não conseguiu, perdendo sucessivas batalhas com a Brandywine e a Fox.
STEPHEN LITTGER: Então você sente que não estava realmente no controle do que estava acontecendo com você naquele set?
DAVID FINCHER: Eu estava no controle, mas vamos colocar desta forma: um obstáculo está no controle, mas não está no controle dos obstáculos. Você sai do portão e está no controle de si mesmo - você pode controlar se vai atingir o obstáculo, se vai desacelerar para poder superar todos os obstáculos, ou se você vai derrubar alguns obstáculos para ganhar velocidade. Essas são as decisões que você tem, mas você não tem controle do que está ao seu redor (…) Então eu fui muito estúpido - eu não tinha ninguém que pudesse lutar por mim em meu próprio nome, e eu tinha vinte e sete anos anos. E o problema disso é que claro que você acaba ficando totalmente branco à noite. Quando dois anos se passaram, ninguém quer mais ouvir falar de você.34
Isso é um dos motivos que dá ao filme um certo aspecto de “obra-prima inacabada”, algo semelhante ao que ocorreu, ainda que de modo não totalmente análogo, a Orson Welles em sua carreia pós-Cidadão Kane, em especial com Soberba (The Magnificent Ambersons, 1942). Lição aprendida. Fincher passaria a buscar controle total, ganhando a fama de “control freak” e obsessivo.
Após Alien 3, Fincher retornou ao universo da publicidade e videoclipes, como forma de re-avaliar sua experiência no cinema e se preparar para tentar mais uma vez. Fincher passou a se integrar e testar os novos talentos da Propaganda Films, formando uma nova geração de profissionais. E não só diretores. Angus Wall, que começou a trabalhar na Propaganda logo após sair da faculdade, foi chamado por Fincher para editar três comerciais que dirigiu para a Nike após o editor, James Haygood, ter que se afastar por emergências pessoais e familiares. A experiência deu certo, e Fincher logo convocou Wall para montar a sequência de créditos de abertura de Se7en. Wall viria a ganhar dois Oscars de Melhor Edição pelo seu trabalho em A rede social e Os homens que não amavam as mulheres. Laray Mayfield, por outro lado, começou a trabalhar com Fincher logo no seu primeiro dia em Los Angeles, quando tinha vinte e dois anos. Primeiro como sua assistente na Propaganda e, depois, como produtora de elenco para comerciais e videoclipes, Fincher encorajou Mayfield a trabalhar em longa-metragens. A partir de Clube da luta, Mayfield trabalhou em todos os filmes de Fincher até o momento, estabelecendo-se inclusive como uma renomada profissional da indústria onde, além de ajudar as carreiras de Kristen Stewart, Jesse Eisenberg, Rooney Mara e Taraji P. Henson, também trabalhou em outros longas e produções para a Netflix (como as séries com os personagens da Marvel Comics)35.
O mais interessante, no contexto deste livro, é que, apesar de Alien 3 não ser um filme ruim como sua fama (e a opinião de seu diretor) sugere, os temas e estética de Fincher já estavam todos presentes em seu primeiro longa, mesmo tendo assumido o projeto que já tinha sido avançado por outros diretores e roteiristas e, principalmente, tendo enfrentando tantos obstáculos de produção, tanto por parte dos produtores da Brandywine quanto por parte da 20th Century-Fox. Ao assistirmos o filme em retrospecto, percebemos que Alien 3 não só conclui a saga de Ellen Ripley (ao menos, da forma que era intencionada, antes do lançamento do quarto filme, em 1997), como também vemos que Fincher na verdade recupera temas e motivos visuais que já estavam presentes nos dois filmes anteriores, ao mesmo tempo em que coloca a sua marca autoral distinta na série. E isso independe de qual versão assistimos, seja o corte que foi para os cinemas, seja o “Assembly Cut”, com cenas e sequências alternativas.
Adam Roberts resume: “A agressiva desolação desse filme, seu incessante pessimismo e a estética, realizada de modo consistente, de austera beleza (a em geral bela Sigourney Weaver aparece no filme de cabeça raspada e esquelética) torna-o por certo um dos filmes menos hollywoodianos já produzidos em Hollywood”36. A ideia de que Alien 3, uma continuação dentro de uma franquia blockbuster, produzida por um grande estúdio de Hollywood seja um filme “pouco” hollywoodiano é algo importante de levarmos em consideração. Pois, já nesse primeiro filme, vemos não só as marcas autorais que estariam presentes em todos os seus filmes posteriores, mas também como Fincher recupera uma certa tradição (e mesmo uma atitude) do cinema hollywoodiano que se perdeu ao longo dos anos 80 (e 90): o cinema da chamada Nova Hollywood.
Assim, se Alien 3 tem um débito mais “explícito” com o cinema de Fritz Lang, fazendo a ponte entre os videoclipes com o cinema, Fincher continuaria a explorar certos temas e linguagem langianas em sua obra posterior.
NOTAS
“[T]he nostalgia mode is about the inability to imagine anything other than the past, the incapacity to generate forms that can engage with the present, still less the future. It is [Fredric] Jameson’s claim that representations of the future, in fact, are increasingly likely to come to us garbed in the forms of the past: Blade Runner, with its well-known debt to film noir, is exemplary here (and nothing makes Jameson’s point more clearly than Blade Runner’s domination over science fiction in the last twenty-five years)”. “You Have Always Been the Caretaker”: The Spectral Spaces of the Overlook Hotel (2007). In: k-punk: The Collected and Unpublished Writings of Mark Fisher (2004-2016). Pág. 172.
Dicionário, por Fritz Lang. Publicado originalmente sob o título “Dictionnaire”, em Trois lumières, coletânea de textos e documentos organizados por Alfred Eibel. Paris: Flammarion, 1989, pp. 238-246. Traduzido do francês por Bruno Andrade. In: Fritz Lang: O Horror está no horizonte. Organização: Calac Nogueira e João Gabriel Paixão. Editora Raio Verde Filmes. Rio de Janeiro Ano: 2014. Pág. 73. Em 1973, durante uma homenagem a ele conferida pelo Director’s Guild of America (DGA), Lang afirmaria que “‘All of my German films and the best of my American ones deal with fate’ (…) ‘I don’t believe in fate anymore. Everyone makes fate for himself. You can accept it, you can reject it and go on. There is no mysterious something, no God who puts the fate on you. It is you who makes fate yourself’”. Fritz Lang: The Nature of the Beast. Pág. 467.
A tragédia grega, Albin Lesky. Trad. Jacó Guinsburg, Geraldo Gerson de Souza e Alberto Guzik. Ed. Perspectiva. São Paulo: 2006. Pág. 38. Uma das preocupações centrais do documentário Memory: The Origins of Alien é estabelecer as conexões entre o filme de Ridley Scott com a mitologia clássica e, em especial, com a tragédia grega.
A tragédia grega. Pág. 30.
The Films of Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity, Tom Gunning. Pág. 22.
The Films of Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity, Tom Gunning. Págs. 15-6.
No Brasil, o filme de Lang foi originalmente traduzido como Pode o amor mais que a morte?.
Alien: The Archive. Pág. 206.
Alien: The Archive. Pág. 208.
Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity. Pág. 65.
Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity. Pág. 65.
Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity. Pág. 57.
The Philosophy of Horror: The Paradoxes of the Heart, Noël Carroll. London: 1990. Pág. 52.
The Philosophy of Horror: The Paradoxes of the Heart. Pág. 22-3.
The Philosophy of Horror: The Paradoxes of the Heart. Pág. 54.
Gothic, 2nd Edition. Pág. 11.
O horror sobrenatural em literatura, H.P. Lovecraft. Trad. Celso Mauro Paciornik. Ed. Iluminuras. São Paulo: 2000. O filósofo americano Eugene Thacker tem desenvolvido uma série de reflexões filosóficas a partir do pensamento teórico de Lovecraft. Além da série Horror of Philosophy (uma reconfiguração do título do livro de Noël Carroll) onde investiga o papel do ser humano num “cosmos indiferente”, podemos afirmar que seu pensamento culminou no livro Cosmic Pessimism (2015). O pensamento de Lovecraft também influenciou o tratado The Conspiracy Against the Human Race (2011), de Thomas Ligotti. Não ao acaso, estes dois autores foram as principais influências por trás da primeira temporada da série NeoNoir True Detective (2014-2019, 3 temporadas), criada por Nick Pizzolatto. A série foi produzida pela Anonymous Content, produtora que Steve Golin formou após a Propaganda Films - e que teve Fincher como sócio. Para uma discussão do medo cósmico dentro do gênero horror como um todo, ver The Philosophy of Horror, págs. 161-3.
Origem do drama trágico alemão, Walter Benjamin. Trad. João Barrento. Ed. Autêntica. São Paulo: 2011.
The Films of Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity, Tom Gunning. Pág. 27.
É interessante ver como Mark Fisher, um crítico e teórico cultural, ensaísta, e ativista político de esquerda, compreende o capitalismo como sendo algo inerentemente “Gótico”; esse aspecto tornou-se sobressalente após a dissolução da União Soviética: “As I will never tire of insisting, the most Gothic description of capital is also the most literal. Capital is an abstract parasite, an insatiable vampire and zombie-maker; but the living flesh it converts into dead labour is ours, and the zombies it makes are us”. Nessa passagem, Fisher parece evocar Robin Wood em sua análise dos filmes de zumbi de George Romero. Fisher, em outro momento: “[Gilles] Deleuze and [Felix] Guattari, too, emphasize the way in which capitalism is a bizarre mix of the ultra-modern and the archaic. The failure of the future haunts capitalism: after 1989, capitalism’s victory has not consisted in it confidently claiming the future, but in denying the future is possible. All we can expect, we have been led to believe, is more of the same - but on higher resolution screens with faster connections”. Citações, respectivamente: What If They Had a Protest and Everyone Came (2005), pág. 438; They Can Be Different in The Future Too: Interviewed by Rowan Wilson for Ready Steady Book (2010), pág. 634. In: k-punk: The Collected and Unpublished Writings of Mark Fisher (2004-2016).
A tragédia grega. Pág. 44.
A tragédia grega. Págs. 32-33.
Art of Darkness: A Poetics of Gothic, Anne Williams. University of Chicago Press. Chicago: 1995. Pág. 251. Esse “desrespeito” a limites e barreiras é uma das características das ficções Góticas: “Gothic texts operate ambivalently: the dynamic inter-relation of limit and transgression, prohibition and desire suggests that norms, limits, boundaries and foundations are neither natural nor absolutely fixed or stable despite the fears they engender. Crossing a boundary, for all the tension released, shows that it is neither impermeable nor changeable.” Gothic. Pág. 9.
Ou seria esse Bishop um ser humano, o criador do andróide? Não sabemos. Lembremos que, em relação a andróides e o medo do estupro e violação do corpo, Ripley é violentamente atacada por Ash no primeiro filme, em um ato de agressão que remete a um estupro: Ash tenta sufocar Ripley enfiando uma revista, dobrada como um cilindro, em sua garganta - um ato que em si espelha o ataque do próprio alien; no segundo filme, o andróide Bishop, à serviço da Companhia, tenta, dessa vez, “roubar” a filha de Ripley, a rainha alien.
For Your Unpleasure: The Hauter-Couture of Goth. In: k-punk: The Collected and Unpublished Writings of Mark Fisher (2004-2016). Pág. 307.
Sobre o medo do estupro e o papel da mulher (e dos homens) nessas narrativas, ver Gothic, pág. 11, e Art of Darkness: A Poetics of Gothic, págs. 135-40 e 141-48.
Na versão do diretor de Aliens: O Resgate, Cameron elabora o passado de Ripley: ela era mãe, mas sua filha, então uma criança durante os eventos do primeiro filme, faleceu nos cinquenta e sete anos em que Ripley levou a ser resgatada no início do filme de Cameron. A filha de Ripley, ao contrário da mãe, pode constituir sua própria família e envelhecer no período em que sua mãe esteve à deriva, em seu sono criogênico. Tal cena dá ímpeto à relação de Ripley e Newt, que visa, assim, reconstituir aquilo que o alien lhe roubou.
Gothic. Pág. 11.
Art of Darkness: A Poetics of Gothic. Pág. 251.
Dismantling the Myth of David Fincher. Em: https://www.theringer.com/movies/2020/9/21/21446089/david-fincher-profile-director-set-stories.
David Fincher: Interviews. Págs. 100-1.
“We used to call him the Watchmaker, because everything had to fit together perfectly,” says Patrick Fugit, the actor best known for starring in Cameron Crowe’s Almost Famous, who later portrayed Officer James Gilpin in Gone Girl.” In: Dismantling the Myth of David Fincher. Em: https://www.theringer.com/movies/2020/9/21/21446089/david-fincher-profile-director-set-stories.
The Films of Fritz Lang: Allegories of Vision and Modernity. Pág. 40.
David Fincher: Interviews. Págs. 95-6.
Ver: Dismantling the Myth of David Fincher. Em: https://www.theringer.com/movies/2020/9/21/21446089/david-fincher-profile-director-set-stories.
A verdadeira história da ficção científica: do preconceito à conquista das massas, Adam Roberts. Trad. Mário Molina. Ed. Seoman. São Paulo: 2018. Pág. 544.