I.
Ibadan é a terceira maior cidade da Nigéria, com aproximadamente 3.2 milhões de habitantes. Um curta jornada de 2 horas de carro a separa da capital do país, Lagos. Ibadan, como muitas capitais sul-africanas, possui um centro comercial agitado, povoado por inúmeros pedestres, carros, furgões, bicicletas e motonetas. É um vaivém alucinante de pessoas e mercadorias, um formigueiro humano que parece não ter hora de descanso ou pausa. O centro comercial de Ibadan é repleto de vielas com lojinhas, barracas e pequenas construções, e assim como muitas favelas brasileiras e mesmo asiáticas, é comum vermos um intenso tráfego de mototáxis levando e trazendo pessoas. Inúmeras companhias operam naquela região, muitas vezes fazendo diversas o trajeto entre Ibadan e Lagos. É justamente uma dessas estradas que conectam as duas capitais, a Ibadan-Lagos, que nos chama a atenção.
Em meados de março de 2014, os mototaxistas de uma dessas empresas, Okada, estavam tensos. Um de seus colegas, identificado como Kazeem, tinha desaparecido dias atrás. Bizarramente, no entanto, ele manteve contato com diversas pessoas via celular, implorando por ajuda. As mensagens que ele mandava para colegas e familiares eram as mais horripilantes possível, e sem dúvida alguma ele temia por sua vida. Pior, ele parecia incapaz de dizer exatamente onde estava, somente que havia sido capturado por “pessoas” enquanto transitava pela auto-estrada Ibadan-Lagos. Um dos mototaxistas colegas de Kazeem conseguiu determinar que ele havia sido sequestrado no trecho da estrada que margeia a floresta de Soka, em Ibadan. Visto que as autoridades oficiais nada fizeram, ignorando o caso, os mototaxistas, armados com facões, pistolas e rifles decidiram eles mesmos entrarem na floresta e procurar por seu colega desaparecido.
E, naquele dia 22 de março de 2014, os motoristas e pilotos de táxi fizeram uma descoberta chocante. Enquanto caminhavam entre as árvores, foram atingidos por um odor terrível de decomposição e morte, mas não conseguiam precisar a sua origem - ele parecia estar por toda a parte. Desesperados, os homens intensificaram a busca, chegando até uma clareira onde um prédio dilapidado se encontrava, junto a alguns containers de aço e equipamentos de construção abandonados. O cheiro ficou tão forte e intenso que imediatamente alguns homens vomitaram - um deles até desmaiou. O odor de morte era tão forte que ele parecia ser uma presença física naquele local. Alguns homens, mais corajosos, cobriram seus rostos com camisetas e tomaram o prédio de assalto, mas dentro não ocorreu combate. Pelo contrário.
O que aqueles mototaxistas descobriram em Ibadan foi nada menos que uma história de horror grotesca e sem sentido. Tropeçaram em diversos cadáveres em variados estados de decomposição. Alguns eram homens, outros, mulheres. Crianças de diversas idades, até mesmo bebês. Esqueletos e ossos por toda parte. Alguns dos cadáveres estavam acorrentados pelas pernas e mãos às paredes, sentados em pilhas de fezes e urina. E, então, veio a revelação mais chocante de todas: haviam diversas pessoas vivas ali.
II.
Quando a polícia enfim chegou ao galpão dos horrores de Soka a verdadeira extensão do horror pode ser apreendida: em torno de 30 cadáveres dentro do galpão, além de 20 e poucos sobreviventes. Próximo à casa, no meio da mata e em um dos containers, a polícia descobriu mais ossadas e mais restos humanos em variados graus de decomposição. Além disso, peças de roupas descartadas, documentação, pertences pessoais e outros tantos objetos descartados estavam espalhados no local, misturados aos corpos e ossadas. Os sobreviventes estavam tão emaciados, com seus corpos magros e brutalizados, que eles se assemelhavam às vítimas de campos de concentração libertados ao término da Segunda Guerra Mundial.
Assim que a notícia sobre a “Casa de Horrores” de Ibadan se espalhou pela população, diversas pessoas correram para o local. Não eram só curiosos, eram também familiares e amigos que há anos buscavam ajuda da polícia para encontrar seus entes queridos que haviam desaparecido anos atrás. Pais, irmãos, filhos, avós, amigos, primos. Parecia que centenas de pessoas da cidade haviam desaparecido ao longo dos anos, mas nenhuma providência foi tomada. Como que para deixar a situação ainda mais confusa, a localização da casa de horrores e outros locais de morte não eram tão afastados assim da auto-estrada, justamente uma das mais caóticas e trafegadas do país. Como ninguém havia feito aquela descoberta ainda?
O relato dos sobreviventes era confuso. Estavam tão emaciados que sua aparência física praticamente impossibilitava a identificação. Muitos haviam enlouquecido completamente. As autoridades, no entanto, conseguiram juntar um relato fragmentado do que ocorreu ali. Algumas pessoas sequestradas foram mortas e evisceradas “por um grupo de pessoas”, que colheram os órgãos das suas vítimas para que estes fossem vendidos posteriormente; uma das mulheres resgatadas disse que tinha dado a luz pouco dias antes de ser resgatada, e que seu recém-nascido foi tomado dela e “vendido”. Outras pessoas resgatadas foram mantidas presas ali para algum propósito. Acorrentadas, recebiam pouquíssima comida e água, e eram obrigadas a fazerem suas necessidades ali mesmo, junto aos corpos que se empilhavam. Outros relatos mencionavam mortes ritualísticas e de “magia negra”. Assim, do mesmo jeito que uma mãe disse que seu recém-nascido fora vendido, outros sobreviventes diziam que mulheres eram mantidas ali, grávidas (ou eram estupradas) com o intuito de que seus filhos fossem usados como sacrifício humano.
O perfil de vítima era praticamente impossível de ser traçado, pois simplesmente haviam todo tipo de pessoa ali. Homens, mulheres, idosos e crianças. Estudantes, fazendeiros, pessoas de variadas condições sociais. A polícia não conseguiu ligar muitos dos documentos pessoais encontrados aos inúmeros pedaços de corpos mutilados e ossadas, e muitos dos queixosos que procuravam seus conhecidos desaparecidos não sabiam dizer se as pessoas resgatadas no galpão eram mesmo seus familiares e amigos, de tão diferentes que as pessoas estavam, após serem mantidas naquele local.
Os relatos dos sobreviventes era sempre o mesmo: enquanto esperavam à noite em algum lugar remoto, um “grupo de homens” os sequestravam e os sedavam. Quando recobravam a consciência, estavam acorrentados dentro da casa. Alguns sobreviventes passaram quatro meses lá dentro, outros, algumas semanas. Sempre despertavam nus e com as cabeças raspadas. A grande maioria deles estavam tão confusos que sequer se lembravam de seus nomes, ou onde moravam.
III.
A ação da polícia foi extremamente confusa, assim como os diferentes relatos de sobreviventes. Por um lado, mencionam tráfico de órgãos e pessoas; por outro, falam de assassinatos rituais. Some-se isso ao fato de que nos meses anteriores à descoberta diversos relatos de moradores da região da floresta Soka, e de Ibadan como um todo, mencionam “atividades de uma seita” e “grupos de homens e mulheres suspeitos” na autoestrada. Nenhuma providência fora tomada, por certo, mas o fato é que os relatos existem, e foram registrados em diversas delegacias de polícia.
O mais estranho de tudo é que nenhuma prisão de fato foi feita. Ou, melhor, tão logo a população começou a se revoltar com o descaso das forças oficiais, prisões rapidamente foram feitas, como a de seis caçadores/seguranças particulares que trabalhavam em propriedades próximas à “casa dos horrores”. Até onde sei, nenhuma acusação foi feita, e os homens alegaram inocência. Um outro homem foi preso após atacar algumas pessoas que iam até a casa em busca de explicações. Este homem morava embaixo de uma ponte, e uma série de roupas e documentos de outras pessoas foram encontrados com ele, além de três línguas humanas em seu bolso. Ele, no entanto, aparentemente não possui nenhuma relação com o caso.
Mais confuso ainda é tentar estabelecer uma linha do tempo. Quando os desaparecimentos começaram? Estariam todos esses desaparecimentos conectados? Sabemos que algumas vítimas que foram identificadas disseram que estavam ali há meses. Outros, viram mulheres engravidarem e darem a luz ali mesmo, aumentando ainda mais a janela de tempo. Um caso em particular chama a atenção. O senhor Wale Atoyebi (idade não revelada) foi positivamente identificado por sua irmã, e seu estado mental estava surpreendentemente estável e normal. A irmã de Wale revelou aos jornalistas que seu irmão havia desaparecido catorze anos atrás, e ficou todos estes anos preso em cativeiro no galpão. Seus relatos, no entanto, são confusos. Primeiro, seus relatos também apontam para “tráfico de órgãos” e “sacrifícios e assassinatos ritualísticos”; segundo, ele também relata que seus captores eram diversas pessoas, sempre mascaradas. Mas, por fim, a pergunta que fica é: por que mantiveram Wale Atoyebi preso em cativeiro por catorze anos? Com qual finalidade?
A pressão por parte da população estava tão grande, e ainda por cima havia a cobertura internacional, que as autoridades de Ibadan começaram a discutir entre si. A polícia desejava fazer uma investigação longa, inclusive com a ajuda forense de especialistas estrangeiros, mas o governador do estado de Oya, Abiola Ajimobi, queria que a casa fosse demolida imediatamente e que as floresta ao redor fosse limpa e mesmo desmatada. Ao final de algumas semanas de impasse, o governador Ajimobi “venceu” o cabo de guerra institucional, e a casa foi completamente demolida, e a floresta, limpa, destruindo, assim, potencialmente inúmeras pistas que ainda precisavam ser analisadas e processadas por investigadores.
Parte da população que desejava por esclarecimentos se revoltou, mas foram reprimidos. Quanto à polícia, diversos investigadores, e mesmo o delegado designado para o caso, se demitiram em protesto. Eles ainda sofreram vaias e ataques por parte da população, por não terem descoberto a casa de horrores anteriormente e não terem tomado providências quanto aos relatos de sequestros, “seitas” e “pessoas suspeitas” na região. Hoje em dia, uma escola primária foi construída no antigo local onde o galpão se localizava. Nenhuma prisão adicional foi feita, e o caso em si jamais foi esclarecido.
Dez anos depois das descobertas de Soka, em Ibadan, a população acredita que não só uma seita existia e atuava no local, como os líderes dela eram pessoas com altos cargos na política local e nacional. Do governador Ajimobi à superintendência da polícia, todos são suspeitos de terem participado destes atos escabrosos contra a população nigeriana. Seja por motivação financeira, como tráfico de órgãos e pessoas, seja por motivação religiosa, como rituais de magia negra, seja pelas duas coisas, o fato é que jamais teremos uma resposta conclusiva sobre o que aconteceu. O que é chocante, no entanto, é que os fatos que transcorreram por mais de 10 anos na floresta de Soka, em Ibadan, parecem saídos de uma história de terror. Caso a víssemos em um romance, coletânea de contos, ou mesmo em um filme found footage, ela poderia até mesmo nos parecer repleta de clichês, furos e lugares-comuns. “Seita satânica”? “Magia negra”? “Tráfico de órgãos”? Ora, esse é o tipo de historinha que contamos quando crianças, para assustarmos umas às outras. O que é perturbador, no entanto, é que esse “clichê” narrativo invadiu o nosso mundo com a força de um objeto contundente, um choque de realidade visceral e literal. E um que escapa toda e qualquer explicação.
Referências
https://www.unilad.com/news/nigeria-forest-of-horror-ibadan-153026-20230412
Essa série é incrível, Luís.
Luís, esta série está fenomenal! Por favor continue