I.
O parque nacional Daisetsuzan é a maior reserva natural do Japão. Localizada numa região particularmente montanhosa do país, ao norte de sua segunda maior ilha, Hokkaido, o parque é facilmente acessado via trem e avião, e recebe visitantes provenientes dos principais centros metropolitanos do Japão. Parte do que torna Daisetsuzan icônico é sua aparência. O símbolo nacional do Japão, o monte Fuji, é uma montanha, e Daisetsuzan agrega uma porção de morros, montanhas e picos nevados, de formação vulcânica, e sua paisagem acidentada abriga uma série de lagos e térmicas naturais (além de ser o lar de uma porção de espécies raras de animais). Daisetsuzan possui mais de 2 milhões e 200 mil metros quadrados, e reúne dezesseis picos que ultrapassam dois mil metros de altura, sendo boa parte deles acessados por trilhas. O maior número de visitantes do parque é justamente de exploradores, como montanhistas, trilheiros, mas também de famílias que fazem piqueniques em suas planícies. O parque oferece trilhas e escaladas de variados níveis, tanto aquelas destinadas a amadores quanto a profissionais. E, em caso de acidentes - que são raros -, o parque é bem equipado por um time de socorro exclusivo. E esse grupo altamente treinado faria uma descoberta um tanto espantosa na tarde de 24 de julho de 1989.
Era uma segunda-feira, fim do dia. No domingo anterior, a região fora castigada por uma violenta tempestade, e a região ficou encoberta por uma densa neblina ao longo de toda aquela segunda-feira. O grupo de resgate sobrevoava a trilha que liga o monte Kurodake ao Mount Asahi, numa parte de Daisetsuzan que é designada como “a cordilheira”, por conta de seu terreno recortado e difícil. Dois homens provenientes de Tóquio estavam desaparecidos há alguns dias, e a equipe foi despachada para localizá-los. Enquanto sobrevoavam a região, a equipe avistou um enorme sinal de SOS na paisagem. A equipe pousou ali e rapidamente encontraram os dois homens, a uma distância de 2 a 3 km de distância do sinal de SOS.
A dupla havia se perdido indo para o sul do monte Asahi, em direção ao rio Chubetsu, cuja nascente fica em outra montanha pertencente à cordilheira. Ao retornarem para a base com os dois homens, a equipe os parabenizou pelo sinal de SOS. Afinal, se não fosse pela sinalização, a equipe não teria pousado por ali. Nesse momento, os dois rapazes se entreolharam, confusos. “Que sinal de SOS?”
II.
Os dois homens resgatados se perderam porque, no cume do monte Asahi, há uma pedra denominada de “Pedra Segura” (Safe Rock, em inglês). Trata-se de uma formação rochosa natural, de aspecto bastante único. Essa pedra é assim designada pois, seguindo a trilha em sua direção, é possível fazer a descida em segurança (a trilha em si não é particularmente difícil). O problema é que, próxima à Pedra Segura há outra formação geológica praticamente idêntica. Essa rocha é chamada de “Falsa Pedra Segura” (Fake Safe Rock). Esse doppelgänger geológico é traiçoeiro: caso alguém siga esse trajeto, eles vão cair em uma trilha muito mais difícil e remota, que segue em direção ao rio Chubetsu, e demanda muito mais experiência e condicionamento físico por parte de quem for se aventurar por lá. E, é justamente nessa região, descendo a trilha da Falsa Pedra Segura, onde estava localizado o gigantesco sinal de SOS.
A trilha para se chegar ao topo do Asahi não é difícil. É cansativa, sem dúvida, mas é viável - e ainda por cima há um teleférico pode levar viajantes para lá. Mas essa relativa facilidade pode muitas vezes ser falsa. Em primeiro lugar, o clima na região é instável. É raro que a previsão metereológica seja precisa. Há muitas chuvas e neblina, que cobre a paisagem tão rapidamente e subitamente quanto ela se dissipa.
Diz-se que nas montanhas, a temperatura cai -0,6°C para cada 100m de aumento de altitude, e que a temperatura percebida cai -1°C para cada 1m de velocidade do vento. No Monte Asahi, que fica 2.291 metros acima do nível do mar, a diferença de temperatura entre a base e o cume é de cerca de 13 graus Celsius. Além disso, se a velocidade do vento aumentar para 5 m/s, a temperatura percebida cairá em 5°C. Como resultado, haverá uma diferença de temperatura de cerca de 20 graus Celsius, por isso é necessário tomar medidas para se proteger do frio, mesmo no meio do verão.
Fonte: https://yamahack.com/2842/3 (traduzido do japonês por IA)
Mas a trilha que segue da Falsa Pedra Segura é particularmente traiçoeira. Ela é fácil de descer, mas muito difícil de subir. Tanto que, de 1989 para os dias de hoje, diversas pessoas já desapareceram na região, e algumas inclusive morreram. Mesmo uma equipe de jornalismo, que acompanhou o caso do sinal de SOS e tentou fazer o trajeto até o local, não conseguiu voltar para a trilha do cume do Asahi, e precisou ser resgatada.



Os dois rapazes resgatados não tinham ideia da existência desse sinal de SOS, e tampouco cruzaram com qualquer pessoa nos dias em que ficaram ali. Não viram qualquer sinal de vida. É importante frisar: os dois homens foram resgatados por mera coincidência. O sinal de SOS, feito por alguém (ou grupo) ainda não identificado levou ao resgate de duas pessoas que não possuíam qualquer relação com o sinal.
A equipe de resgate do parque também não haviam recebido nenhuma notificação de desaparecimento e, justamente por causa dessa estranha descoberta, acharam prudente envolver a polícia municipal, e retornaram com uma equipe de investigadores ao sinal de SOS no dia seguinte.
III.
Uma série de descobertas foram feitas nas imediações do sinal de SOS. A mais significativa, sem dúvida, foram ossos humanos, localizados a uma distância de aproximadamente trinta metros do sinal de SOS. Os ossos possuíam marcas de dentadas, feitas por animais que habitam a região. Mas alguns ossos também estavam quebrados, indicando que haviam sido fraturados em algum momento. Seja lá quem fosse essa pessoa, ela definitivamente sofreu lesões graves antes de morrer.
Para além da ossada, a aproximadamente cinquenta metros ao norte do sinal de SOS, a polícia localizou um buraco cavado, grande o suficiente para caber um adulto humano. Nele, encontraram uma mochila com diversos itens: três fitas cassetes, um gravador de fitas da Sony, além de suprimentos, como itens para higiene pessoal.
A ossada foi enviada para o Centro Médico-Universitário de Asahikawa. A equipe conduziu testes e determinou que o esqueleto pertencia a uma pessoa do sexo feminino, de 20-40 anos, e tipo sanguíneo O. O bizarro era que nenhum dos itens encontrados no buraco parecia pertencer a uma mulher.
E, então, as fitas casastes. Duas delas eram gravações das músicas temas de dois animes: Macross e Magical Princess Minky Momo. Ambos haviam sido exibidos na TV durante os anos 1981-83. A terceira fita também era a música tema de algum anime, mas havia gravação nova feita por cima.
Nela, podemos escutar a voz de um homem. Sua voz é esganiçada, desesperada. É palpável que o homem está sofrendo considerável aflição. Ele diz, repetidamente, por 2 minutos e 17 segundos:
“SOS; me ajude! Não consigo me mover no penhasco! SOS; me ajude! O lugar é onde eu avistei o helicóptero! O sasa é fundo, e eu não consigo me levantar! Me levante daqui!”
Essa tradução não é literal. De início, no japonês, não há o uso de pronomes pessoais. “Não consigo me mover”, por exemplo, é uma tradução aproximada, pois evidentemente o homem se refere a si mesmo. No entanto, em japonês, não há diferença de “SOS; me ajude!” Para “SOS; nos ajude!” Pelo contexto da gravação, não é possível saber se o homem refere a si mesmo no singular ou no plural. Há mais algumas coisas esquisitas. “Sasa” é um tipo de bambu “anão”, sendo uma forma de grama alta, densa. O sasa é encontrado na região, ao sopé da montanha, por exemplo, não muito distante de onde a mochila foi encontrada. Mas não há nenhum tipo de sasa nos cumes das montanhas. E, aparentemente, é onde o homem da gravação está. Ele diz que está no penhasco. E, claro, que helicóptero é esse? Tenha em mente que a tradução literal seria “O lugar onde eu conheci o helicóptero”. Talvez ele quisesse dizer onde ele “encontrou” o helicóptero? Ao meu ver ele na verdade avistou um helicóptero que sobrevoava a região por qualquer motivo.
Voltando aos itens que foram encontrados. Talvez o mais importante de todos seja o documento de identificação com foto. O documento pertencia a Kenji Iwamura, um homem que havia sido dado como desaparecido há cinco anos. Iwamura era um rapaz de 25 anos de idade, que trabalhava em um escritório em Kōnan, na ilha de Honshū (a principal ilha do Japão). Iwamura havia sido de sua casa em Kōnan no dia 10 de julho de 1984, com destino a Asashi, onde pretendia fazer uma trilha até o cume da montanha. Depois de uma semana sem dar sinal de vida, sua família contatou a polícia, que conduziu buscas mas nunca havia encontrado o rapaz, dando-o como desaparecido.
Agora, o estranho é: tudo aponta para que os itens encontrados na mochila pertenciam de fato ao desaparecido Iwamura, mas o esqueleto ali perto era de uma mulher. Além disso, qual é o sentido da gravação? É verdade que um conhecido de Iwamura, chamado pela polícia para avaliar os itens descobertos, constatou que de fato Iwamura andava para cima e para baixo com as fitas contendo músicas de anime, que ele gostava de ouvir em seu trajeto de casa para o trabalho e vice-versa. Além disso, o par de tênis que estavam juntos com os outros itens também foram identificados como sendo pertencentes a Iwamura. Mas qual o sentido da gravação da terceira fita? Por que gravá-la? Uma hipótese que podemos levantar é que Iwamura pensou que sua voz poderia enfraquecer e, não podendo mais gritar por ajuda, resolveu gravar seu pedido de socorro, tocando a fita em playback até que alguém finalmente o escutasse. Mas o problema é que o gravador Sony não possui um alto falante poderoso o suficiente, sendo tal esforço de gravação, francamente, inútil.
Agora, sobre Iwamura em si. É extraordinariamente difícil encontrar qualquer informação concreta ou mesmo mais detalhada sobre ele. Na mídia japonesa, seu nome é quase que inteiramente suprimido em reportagens (geralmente aparece como “Sr. XXXXX”). Seu nome aparece na cobertura internacional do caso, mais especificamente em reportagens da Associated Press da época. O fato é que não sabemos se Iwamura tinha uma boa relação com sua família, se tinha uma namorada, ou mesmo se era do tipo que gostava de aventuras ao ar livre. Algumas reportagens apontam que nos meses que antecederam ao seu desaparecimento Iwamura de fato desenvolveu um gosto por montanhismo e trilhas; outros, pelo contrário, afirmam categoricamente que ele nunca gostou de atividades outdoor. Não sabemos exatamente o que o levou para Daisetsuzan.
Mas uma informação que só aparece na cobertura ocidental do incidente chama a atenção. Os familiares de Iwamura identificaram positivamente a mochila e seu conteúdo como sendo pertencente ao seu filho. No entanto, eles afirmaram que o homem na voz definitivamente não era o seu filho.
Por fim, temos o SOS. O sinal de SOS tinha dezoito metros de comprimento, por cinco de altura, mais ou menos, e foi feito com madeira de bétulas, árvores abundantes da região (ao todo foram dezenove troncos utilizados para o sinal). Típica de territórios de clima temperado (é inexistente no Brasil, por exemplo), a bétula é comumente usada por ser um tipo de madeira ideal para a construção civil e mesmo para mobiliário e marcenaria. Suas folhas e frutos podem não ser marcantes, mas a sua madeira certamente é. Primeiro, a casca. Ela é branca, num tom quase prateado. Já o interior da madeira, sua carne, é vermelha, rica em tons em diversos tons amadeirados. Mas não é só a sua beleza que a tornem comum para a construção e decoração. A bétula é uma madeira relativamente fácil de cortar e moldar. Apesar de ser uma madeira maciça e pesada, ela é relativamente flexível para trabalho - isso é, conquanto que se tenha em mãos as ferramentas necessárias.
Essa questão da madeira é importante, afinal, um gigantesco sinal de SOS foi aparentemente construído por uma única pessoa (ou, talvez, duas). Mas não só: duas pessoas que estavam feridas e submetidas a toda sorte de privação e intempéries. Não é realista que tivessem feito esse sinal gigantesco usando uma madeira grande e pesada, e sem equipamento adequado de corte. Então, nesse ponto, quem construiu esse sinal, e como?
Nenhum tipo machado ou ferramenta de corte foi encontrada na região do sinal de SOS. Mas, além disso, o esqueleto encontrado estava com sérias fraturas. Uma pessoa com esse tipo de ferimento não poderia de forma alguma cortar as bétulas (sem qualquer tipo de instrumento aparente) e muito menos posicionar essa madeira pesada para formar o SOS. O homem na fita também afirma estar impossibilitado de se mover.
Mas, vamos supor que, por algum tipo de milagre - uma súbita força física que motivada por desespero e pânico fizessem que uma pessoa gravemente ferida pudesse ter de fato feito o sinal. Bem, com uma machadinha (que, repito, nunca foi encontrada), uma ou duas pessoas levariam em torno de dois dias para cortar a madeira e posicioná-la. Certo. Mas, mesmo gravemente ferido, se a pessoa tivesse ainda assim a força física necessária para cortar toda essa madeira, ela poderia muito bem ter usado essa força física para sair do sopé da montanha, seja descendo em direção ao rio Chubetsu, ou mesmo ter feito a difícil escalada até o topo. Sim, a escalada é difícil, mesmo para uma pessoa saudável, mas muito mais manejável que cortar uma porção de troncos de árvore e dispô-los para formar um chamado de SOS. Já o caminho pelo rio, ainda que não seja uma caminhada fácil, é relativamente plana. Do ponto do sinal de SOS até a “civilização”, seguindo pelo rio, são aproximadamente dezoito quilômetros. Algo que uma caminhada de um dia, mesmo se a pessoa estiver ferida, é factível. Certamente muito mais fácil do que cortar troncos de bétulas e carregá-los para formar uma mensagem.
Há também a dúvida de quando exatamente o sinal de SOS foi construído. A polícia entrou em contato com duas agências: a Agência Florestal Japonesa e a Autoridade Geográfica Japonesa. Ambas organizações conduzem registros topográficos aéreos do territórios japoneses com certa regularidade. E, para a surpresa de todos, o sinal de SOS foi avistado em uma fotografia retirada no dia 20 de setembro de 1987. Ou seja: o sinal foi encontrado em julho de 1989, mas sua construção de pelo menos dois anos antes. E nunca tinha sido encontrado por ninguém.
Como ninguém poderia determinar quem era a mulher misteriosa, a polícia encomendou novos testes na ossada. O resultado veio que, na verdade, o Centro Médico-Universitário de Asahikawa havia se enganado na primeira vez. O segundo teste revelou que a ossada, na verdade, pertencia a um homem com sangue tipo A. Tudo aponta para que a ossada e pertences da mochila de fato eram Kenji Iwamura.
Agora, se nem os pais de Iwamura conseguiram reconhecer a voz do filho na gravação, temos de levar em conta a hipótese de que talvez Iwamura tenha encontrado uma segunda pessoa perdida naquela mesma região. Essa segunda pessoa hipotética teria realizado a gravação e ajudado Iwamura a cortar a madeira. Veja, especialistas afirmam que seria praticamente impossível que uma única pessoa conseguisse cortar e carregar toda aquela madeira. Um trabalho de duas pessoas já seria complicado o suficiente. Mas, se foram duas pessoas, porque uma não foi buscar ajuda? E quem é essa segunda pessoa, tendo em vista que não há ossada, restos mortais ou mesmo pertences dela que foram encontrados na região?
O esqueleto encontrado tinha fraturas no ombro esquerdo e na perna direita. Me parece que seria impossível alguém com esses ferimentos cortar dezenove troncos de árvore e carregá-los. É verdade que ele pode ter fraturado seus ossos após a construção do sinal de SOS. Mas, se ele tinha saúde e disposição o suficiente para tamanho esforço, porque não simplesmente seguir a trilha, ao invés de construir o sinal de SOS?
Mas, voltando para a gravação, há um elemento que chama a atenção. Ela é completamente clean. Digo, não há reverberação de som, não há o som de vento (muito comum em gravações ao ar livre), não há o som de folhagem ou mesmo de animais. Por todos os dois minutos e dezessete segundos de gravação, temos a voz cristalina do homem. Não vou dizer que é impossível que esse tipo de coisa aconteça mas, acredite, como alguém que trabalha com cinema e filmagens, e tem experiência com gravações tanto ao ar livre quanto em estúdios, é muito difícil não captar nada.
O fato é que existem muitos detalhes nessa história que não fazem sentido. Se o sinal foi construído em 1984, quando Iwamura desapareceu, até a sua descoberta, em 1989, muita coisa pode ter desaparecido. Acho estranho nenhuma ferramenta, como um machado, jamais ter sido encontrado. Ou mesmo ninguém ter topado antes com o sinal de SOS, tendo em vista que é comum helicópteros sobrevoarem a região. O local onde a ossada foi encontrada não é exatamente remota. E, ainda assim, que helicóptero é esse que o homem da gravação menciona? Será que era um helicóptero procurando Iwamura ou estaria esse helicóptero sobrevoando a região por qualquer outro motivo?
Seja como for, a polícia encerrou a investigação em uma semana após a descoberta do sinal de SOS, pois não encontrou motivos para continuarem com os trabalhos. Ao que tudo indica, de fato a ossada pertence a Iwamura (ainda que nenhum teste conclusivo tenha sido feito na ossada, comparando o esqueleto com o DNA de seus familiares), e ele provavelmente sucumbiu aos seus ferimentos e ao meio.
O fato é que, nesse caso específico, seja lá por onde olhemos as evidências, as conclusões sempre apontam para becos sem saída. É, sem sombra de dúvida, um autêntico catch-22.
Referências
https://www.tbs.co.jp/nippon-kakomon/20170301.html (traduzido do japonês com IA)
https://www.tanteifile.com/onryo/kaiki/2010/04/18_01/body.html (traduzido do japonês com IA)
https://yamahack.com/2842 (traduzido do japonês com IA)
https://www.historicmysteries.com/history/kenji-iwamura/36136/