Hoje o cinema de ação vive um ponto alto, com uma série de artistas extremamente habilidosos e transgressores fazendo maravilhas com o gênero. Pode parecer estranho pensar, mas nem sempre foi assim. Por anos, o cinema de ação e aventura - tradicionalmente um gênero que requer orçamentos altos por conta da complexidade de suas cenas - ficou estacionado num marasmo homogêneo de tranqueiras hollywoodianas.
Os blockbusters de super-heróis, apesar de terem elaboradas sequências de efeitos especiais (quer dizer, até pouco tempo atrás elas eram elaboradas - casos recentes da Marvel e da DC apontam o exato oposto de cuidado e elaboração), são um tanto anódinos. Primeiro, porque por serem sequências quase que inteiramente animadas em CGI, perdem o seu risco imediato; segundo, são sequências elaboradas por supervisores de efeitos visuais, e não por diretores, que raramente possuem qualquer input sobre elas. O resultado é que todas essas sequências se parecem umas com as outras. Assim, podemos ter filmes como Homem de Ferro (Iron Man, 2008, de Jon Favreau), Mulher Maravilha (Wonder Woman, 2017, de Patty Jenkins), Homem Aranha: Longe de casa (Spider-Man: Far From Home, 2019, de Jon Watts) e Exterminador do futuro: Genisys (The Terminator: Genisys, 2015, de Alan Taylor) e todos terem sequências de ação gigantes e bombásticas e todas, ainda assim, parecerem… genéricas. Pois não há um olhar ou uma visão sobre aquilo.
O cinema de ação americano ficou paralisado com esse tipo de produção. Nos anos 80 e 90, com astros como Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone, Jean Claude Van Damme, Charles Bronson, Chuck Norris, Dolph Lundgren e outros, ainda vimos clássicos serem produzidos, filmes de ação que não só são produtos inconfundíveis de sua época, como também possuem sequências únicas e extremamente elaboradas. Também, é a época de mestres como James Cameron, Walter Hill, John McTiernan, Tony Scott. Mesmo filmes mais toscos, como aqueles produzidos pela lendária Cannon Films, tinham seu próprio charme e, porque não, artesãos esforçados em produzirem películas que rivalizassem com seus colegas de maior orçamento. Digam o que quiserem, mas os filmes de Joseph Zito, Albert Pyun, Michael Winner e James Glickenhaus, por mais capengas e alucinantes que possam ser, tem muito estilo e personalidade do que boa parte do cinema de ação e aventura que são feitos hoje em dia em qualquer grande estúdio. E, nesse aspecto, caso o leitor não acredite em mim, basta ver qualquer filme da franquia Os Mercenários (The Expendables, 2010/12/14, com um quarto filme a ser lançado este ano ainda), para perceber a decadência em que este gênero caiu. Na verdade, no quesito artes marciais e coreografia de luta, séries de TV como a do Demolidor (3 temporadas, 2015/16 e 2018) foram muito mais aptas nesse sentido.
Houve exceções, é verdade. Steven Spielberg continuou produzindo o ocasional filme de ação e aventura - e realizou um dos maiores thrillers de todos os tempos, Munique (Munich, 2005); e o inglês Paul Greengrass fez dois filmes impecáveis de ação e artes marciais com A Supremacia Bourne (The Bourne Supremacy, 2004) e O Ultimato Bourne (The Bourne Ultimatum, 2008). As cenas de ação, caóticas, brutais, filmadas com uma câmera na mão furiosa (Greengrass começou sua carreira dirigindo documentários e programas jornalísticos) e editadas de forma ainda mais implacável, os filmes estrelados por Matt Damon, e adaptados dos romances de Robert Ludlum, revitalizaram de tal forma o subgênero de espionagem que deixaram seu primo inglês mais famoso comendo poeira (não fosse pelo talento de Martin Campbell e Sam Mendes, James Bond de fato já teria virado relíquia). O mesmo vale para os filmes da série Missão: Impossível, estrelados por Tom Cruise (e, de fato, comandados criativamente por ele).
Quando Cruise adquiriu os direitos cinematográficos da franquia Missão: Impossível (um popular seriado de televisão, original dos anos 1960, que misturava espionagem com o Heist movie), o jovem astro estava em busca de uma franquia que podia chamar para si - de certa forma, Cruise anteviu o que Hollywood iria se tornar em poucas décadas. Para isso, cada filme produzido por ele deveria ser dirigido por algum grande nome do cinema de ação, e cada filme, de certa forma, reflete não só o estilo do diretor, mas também a tendência de cada época.
O primeiro filme da nova franquia, Missão: Impossível (Mission: Impossible, 1996), foi dirigido por Brian De Palma, é possui a marca inconfundível de seu diretor: o suspense paranóico, construído em torno do olhar (a marca hitchcockiana do cineasta) e artimanhas ao estilo trompe l’oeil; a atmosfera sensual, mesclando a beleza dos astros hollywoodianos a paisagens exóticas (o longa de 1996 foi um dos primeiros filmes americanos a serem rodados em Praga, capital da então recém-constituída República Tcheca), e trilha sonora bombástica.





Já Missão: Impossível 2 (Mission: Impossible 2, 2000) é uma decepção. Dirigido pelo mestre John Woo, o longa é uma verdadeira bagunça, repleto de cenas sem sentido e ação tépida. Eu tenho algumas ideias sobre o porquê disso ter acontecido, mas vou elaborar mais adiante. No entanto, posso adiantar que Missão: Impossível 2 é certamente um produto de seu tempo. Lançado logo após o revolucionário Matrix (idem, 1999, das irmãs Wachowski), mas antes de Hollywood ser tomada, gradualmente, por super-heróis (a começar pelos excelentes filmes do Homem-Aranha dirigidos por Sam Raimi), Missão: Impossível 2 é como Robinson Crusoé, um náufrago do curso do tempo e da evolução do gênero de ação.
Após um longo hiato de seis anos, a franquia retorna com Missão: Impossível 3 (Mission: Impossible 3). É o primeiro longa dirigido por J. J. Abrams, o célebre produtor e showrunner de séries de TV, como Lost e Alias. A escolha de Abrams mostra que Cruise estava antenado ao fato de que a produção de qualidade dos próximos anos viria da telinha, e não mais da telona. Abrams de certa forma popularizou a figura do showrunner - a verdadeira mente artística por trás de qualquer projeto de televisão, mais até do que do roteirista e, muito mais, do que do diretor. Com um estilo inconfundível, Abrams surpreendentemente traria um tom altamente cinematográfico ao novo filme de Cruise. Muito mais um thriller de ação do que um blockbuster bombástico, Abrams parece fundir a sensibilidade de um Paul Greengrass (o longa de 2006 possui diversas sequências conduzidas inteiramente com câmera na mão) à violência bruta que por vezes aparecia no original de De Palma (e, ao fazer isso, Abrams criou um paralelo notável com Cassino Royale, o reboot de James Bond dirigido por Martin Campbell e lançado no mesmo ano). O foco do filme de Abrams é no vilão, interpretado de forma monstruosa pelo genial Philip Seymour Hoffmann. A trama é muito mais pessoal e intimista, e mostra pela primeira vez a vida pessoal de Hunt, seu espaço doméstico e, também, sua esposa, a enfermeira Julia (interpretada por Michelle Monaghan). Ou seja, Abrams traz um drama que poderia muito bem pertencer a uma série de TV, mas casa isso com sequências explosivas e elaboradas que podem existir somente em um blockbuster.
Mas a série de filmes entraria em seu estágio de graça a partir do quarto filme, Protocolo Fantasma (Mission: Impossible: Ghost Protocol). Lançado em 2011, e dirigido pelo mago das animações da Pixar, Brad Bird, em sua estréia no live action, o filme é uma obra de arte da coreografia de ação e das stunts extraordinárias que passariam a se tornar o foco midiático da franquia. Cruise não é só o intérprete de Ethan Hunt - ele, na verdade, fundiu sua persona midiática e de estrela ao personagem, ao ponto de que os dois são, basicamente, inseparáveis. É verdade que astros de antigamente, como Steve McQueen, Jackie Chan e Bruce Lee eram responsáveis ele mesmo por pilotar carros em cenas de perseguição e performarem eles mesmos as coreografias de lutas e acrobacias impossíveis, e Cruise de certa forma funde todas essas facetas. Tal como McQueen em Fugindo do inferno (The Great Escape, 1963, de John Sturges) e Bullitt (idem, 1967, de Peter Yates), é Cruise quem comanda os carros, motos e até mesmo barcos nas elaboradas sequências de perseguição em seus filmes, mas a parceria com Brad Bird fez com que Cruise fizesse acrobacias cada vez mais absurdas e impossíveis, dignas de desenho animado. Não é só Jackie Chan que passou a ser emulado, mas também Harold Lloyd e Buster Keaton.
Mestres da comédia física (slapstick) do cinema mudo americano, os filmes estrelados por Lloyd e Keaton foram produzidos numa época em que não existiam stunt men, e a indústria estava ainda na sua infância - ou seja, não havia regulamentos, medidas de segurança e agências de seguros fiscalizando a segurança nos sets de filmagem. Tudo era feito, por falta de expressão melhor, na cara e na coragem. Essa ousadia insana mostra que os astros corriam seríssimos riscos a sua integridade física nesses filmes. Os efeitos especiais, por natureza, eram todos reais. Tudo isso, somada à própria característica distintamente onírica que o cinema mudo possui, é como mergulhar de cabeça em um mundo de desenho animado composto por pessoas de carne e osso. E é justamente isso que Cruise e Bird trazem ao quarto filme da franquia Missão: Impossível. Bird também traz outros detalhes indispensáveis, como um elenco de apoio de primeira, e personagens bem esmiuçados. Se o filme peca por alguma coisa, é por um vilão passável (ainda mais quando o comparamos ao Seymour Hoffmann do filme anterior) e trama genérica.
Tudo isso seria corrigido nos dois próximos filmes da franquia, ambos comandos por Christopher McQuarrie. McQuarrie era, até então, o “réu oculto” dos filmes de Cruise. Um roteirista brilhante, o cineasta começou sua carreira trabalhando com Bryan Singer, e gradualmente se tornou, junto a Frank Darabont e David S. Goyer, um dos script doctors mais requisitados de Hollywood. Apesar de ter tentado a mão com direção no brilhante neo-noir A Sangue Frio (The Way of the Gun, 2000), o fracasso comercial deste filme impediu McQuarrie de continuar na cadeira da direção. A parceria com Cruise foi fortuita, e mostra a inteligência que o astro tem não só de ler o contexto da indústria, mas também de se cercar das pessoas certas. McQuarrie providenciou seus trabalhos - não-creditado - a quase todas as produções do astro, desde pelo menos Operação Valquíria (Valkyrie, 2008, de Bryan Singer). A partir de Jack Reacher: O Último Tiro (Jack Reacher, 2012), McQuarrie seria a principal força criativa por trás dos filmes do astro, e sua marca é inconfundível.
Primeiro, os roteiros. As narrativas dos filmes de Missão: Impossível se tornariam mais elaboradas, com personagens cuidadosamente modelados e tramas de ação e espionagem perfeitamente estruturadas em torno de vilões claramente definidos e cenas de ação que existem, antes de mais nada, para conduzir a trama e a acirrar o conflito entre Hunt, seus colegas, e os seus rivais. Missão: Impossível - Nação Secreta (Mission: Impossible - Rogue Nation, 2015), coloca o time de Hunt, a IMF (Impossible Mission Force) contra o Sindicato, um grupo terrorista de contra-espionagem formado por espiões do mundo inteiro. Sim, é a mesma coisa que a rivalidade MI6 e Spectre dos filmes de James Bond. A diferença é que Bond é o cavaleiro solitário contra um vilão e seus capangas; a IMF é um time, liderado por Hunt, contra outro time (no caso, liderado por Solomon Lane - interpretado por Sean Harris). O talento de McQuarrie como roteirista se funde ao seu talento como diretor, e cada personagem tem não só um propósito específico na trama, como cada personagem ganha vida com atores escolhidos a dedo. McQuarrie, afinal, revelou a talentosa Rebecca Ferguson ao resto do mundo em Nação Secreta.
Tudo isso seria levado ao paroxismo com Missão: Impossível - Efeito Fallout (Mission: Impossible - Fallout, 2018), que não só é o melhor de toda a franquia (até o momento), como também é, sem sombra de dúvida, um dos melhores filmes de ação já feitos. O longa é essencialmente uma corrida contra o tempo, e é construído sobre uma série de sequências delirantes de perseguição, que vão, como ondas, subindo até um crescendo de tensão máxima. McQuarrie traz de volta personagens mencionados no primeiro longa, de De Palma, e traz também a ex-esposa de Hunt, Julia, para dar um tom pessoal mais brutal, como vimos no terceiro filme, de Abrams. Mas tudo isso é disposto como peças em um tabuleiro. McQuarrie brinca com seus personagens de uma forma que só tinha visto antes nos filmes de William Friedkin, e Fallout é, de certa forma, uma carta de amor ao diretor recém-falecido. As sequências delirantes de perseguição parecem saídas de Operação França (The French Connection, 1971) e Viver e Morrer em Los Angeles (To Live and Die in LA, 1985), ao passo que a rivalidade entre Hunt e o vilão August Walker (Henry Cavill), que cresce ao nível de uma rivalidade fraterna, é feita aos moldes da rivalidade entre Tommy Lee Jones e Benicio Del Toro em Caçados (The Hunted, 2003; Del Toro também é o astro do primeiro longa de McQuarrie). Por fim, a tensão explosiva, de risco nuclear, contida na última sequência de ação só pode ser comparada àquela de Comboio do medo (Sorcerer, 1977), a obra-prima de Friedkin. Eu digo sem exagero que Fallout merece estar ao lado do grandes filmes de ação da história, porque o que McQuarrie e Cruise fizeram com este filme é nada menos que um milagre.
E, talvez por isso que o novo filme da franquia, Missão: Impossível - Acerto de contas - Parte 1 (Mission: Impossible - Dead Reckoning Part 1, 2023) seja tão decepcionante. O McQuarrie roteirista continua lá, e a trama, ainda que, em si, genérica, trabalha o uso de tecnologia de Inteligência Artificial numa chave interessante. Há toda uma simbologia religiosa, especificamente católica, que é muito bem trabalhada pelo cineasta, inclusive em seu potencial apocalíptico (nesse caso, curiosamente, há ecos do trabalho de James Cameron em O exterminador do futuro). Além disso, as sequências de ação de uma forma ou de outra emulam clássicos do passado: uma perseguição de carro em Roma é tanto uma homenagem sutil a Um golpe à italiana (The Italian Job, 1969, de Peter Collinson) quanto à perseguição de A identidade Bourne (The Bourne Identity, 2002, de Doug Liman); há uma perseguição pelas vielas labirínticas de Veneza que parecem saídas de O Terceiro Homem (The Third Man, 1949, de Carol Reed) e uma explosiva sequência de ação em um trem, ao final, que remetem não só à A General (The General, 1926, de Buster Keaton), como também a O Mundo Perdido: Jurassic Park (The Lost World: Jurassic Park, 1997, de Steven Spielberg). Mas o filme como um todo me pareceu… cansado. As homenagens são bem-vindas, claro, mas elas possuem um caráter anedótico, de citação. É diferente do McQuarrie de Fallout, que encarnou Friedkin - aqui, são referências divertidas para o espectador atento. Mesmo a persona de Cruise parece cansada. Sim, é legal o astro fazer ele mesmo essas acrobacias absurdas, mas também sabemos que ele faz esse tipo de coisa - e sabemos disso há pelo menos 30 anos. É como greatest hits - entretenimento bom, mas seguro. Lamento dizer isso, mas Missão: Impossível - Acerto de Contas Parte 1 parece ser o Joe Biden do cinema de ação.
Eu sei que é cedo para vaticinar esse tipo de coisa sobre o filme de McQuarrie, visto que ainda precisamos assistir a Parte 2 para tirarmos alguma conclusão. Caso o segundo filme seja brilhante, pode redimir, em retrospecto, o filme de 2023. Pode ser, pode ser. Continua sendo, de todo jeito, um filme divertido, é verdade.
Mas fiz todo esse interregno pelos filmes de Missão: Impossível por que não só eles representam o que há de melhor no cinema de ação blockbuster e hollywoodiano, como porque também eles nos ajudam a entender as transformações pelas quais o gênero passou nos últimos anos. Mas, antes, é preciso passar rapidamente por uma definição desse tipo de filme. Eu não pretendo entrar em questões teóricas super-profundas e detalhadas, nem mesmo por uma história do gênero (que se origina com os filmes de perseguição do primeiro cinema, isto é, do período de 1915 até, pelo menos, Griffith, onde mais uma vez ele se transforma). Não, quero uma definição mais rápida e ampla, que abarque diversos subgêneros e as transformações que sofreu ao longo dos anos.
(…) o filme de ação pode ser definido como um filme em que sequências violentas desempenham um papel significativo na narrativa e no significado do filme, a tal ponto que as sequências de não ação envolvem uma construção de suspense em direção aos cenários de ação. A violência pode envolver pessoas violentas, como terroristas em O Ataque [White House Down, 2013, de Roland Emmerich] ou corredores de rua em Velozes e Furiosos [Fast and Furious, 2009, de Justin Lin], animais como lobos em A Perseguição [The Grey, 2012, de Joe Carnahan] e monstros em Godzilla [idem, 2014, de Gareth Edwards], ou forças da natureza em O Dia Depois de Amanhã [The Day After Tomorrow, 2004, de Roland Emmerich] e Gravidade [Gravity, 2013, de Afonso Cuarón]. No entanto, a presença da violência não é suficiente para ser qualificado como um filme de ação – os personagens também devem resistir à violência que lhes é infligida, quer estejam tentando escapar de um desastre em O Destino de Poseidon [The Poseidon Adventure, 1972, de Ronald Neame] ou enfrentando um exército em Rambo II: A Missão (Rambo: First Blood Part II, 1985, de George Pan Cosmatos). Esta resistência vem do(s) protagonista(s), daí o termo “herói de ação”: um personagem arquetípico que é poderoso, conhecedor e durável. Os exemplos incluem os policiais de ação das franquias Dirty Harry, Duro de Matar e Máquina Mortífera, agentes secretos como James Bond e Jason Bourne e, mais recentemente, super-heróis como Batman, Homem-Aranha, Wolverine e Capitão América.
“New Action Realism: Claustrophobia, Immediacy, and Mediation in the Films of Kathryn Bigelow, Paul Greengrass, and Michael Mann”, de Vincent M. Gaine. In: A Companion to Action Film, editado por James Kendrick. Pág. 290. Tradução minha.
O cinema de ação norte-americano sempre se deu melhor com sequências altamente dinâmicas de perseguição. Por envolverem veículos, explosões, e manobras especializadas realizadas em territórios de grande extensão, naturalmente o rico cinema hollywoodiano teria vantagem sobre seus competidores. Hollywood nunca se deu muito bem com filmes de artes marciais, ou grandes coreografias de lutas, e geralmente dependeu de talento estrangeiro para esse tipo de coisa. Não mencionei aqui, mas basta ver os filmes dirigidos por Christopher Nolan para que isso fique claro.
É verdade que Nolan melhorou muito como diretor de ação, e Dunkirk (idem, 2017) e Tenet (idem, 2020) são prova disso, mas o fato é que as sequências de luta em seus três filmes do Batman são bem… fracas. Parecem querer emular a crueza ensaiada dos filmes do Bourne de Paul Greengrass, mas são cenas truncadas, mal-fotografas e editadas de um jeito truncado. As lutas em Inception (A Origem, 2010) são muito melhores mas, ao mesmo tempo, também são caóticas e surreais por natureza. A confusão nas cenas de luta em A Origem servem à própria trama enigmática e onírica do filme. Os filmes da trilogia O Cavaleiro das Trevas, no entanto, possuem sequências brilhantes de perseguição de carros e motos, e eu diria estão entre as melhores que o cinema americano produziu nos últimos anos.
E, de certa forma essa tendência é confirmada naquela que é, provavelmente, a mais bem-sucedida franquia de filmes de ação dos últimos tempos: Velozes e Furiosos, que inacreditavelmente chegou ao seu décimo filme neste ano. Digo inacreditavelmente porque estes filmes são, em grande parte, porcarias completas. Os personagens são ridículos, e as tramas poderiam ter saído de novelas das seis. Família, família, família - é tudo o que esses filmes tem a dizer. É tudo tão genérico que os filmes em si transitam entre gêneros: corridas clandestinas, tráfico internacional de drogas, heist movie, filme de espionagem. É qualquer coisa - e, portanto, nada. Mas até eu tenho de admitir que, em grande parte, as sequências veiculares são realmente estupendas.
É verdade que elas são feitas ao estilo Marvel - são planejadas por equipes de stunt coordinators que as planejam por anos de antecedência, antes mesmo que os roteiros tenham sido escritos. Talvez por isso mesmo que os roteiros sejam tão anódinos e com gêneros intercambiáveis. Mas existe um aspecto educativo aqui: o que faz um grande filme de ação não são só as suas sequências de ação, sejam elas de luta, sejam elas de perseguição. É preciso ter um roteiro e personagens que sejam adequados e construídos junto com elas. Estrutura, neste ponto, é fundamental, caso contrário um filme de ação é como um filme pornô: um monte de cenas de blá blá que conectam as cenas que realmente importam. E, muitas vezes, é assim que os filmes de outro grande nome do cinema de ação, Michael Bay, parecem fazer.
A comparação com o pornô talvez seja realmente apta para descrever os filmes de Bay. Seus filmes são puro exercício masturbatório, focado ao máximo na construção plástica de suas imagens. A lógica dele parece ser a do diretor de publicidade ou de videoclipe, ou seja, a de elevar o elemento visual ao máximo - em detrimento de todo o resto. E é justo dizer que Bay não é um diretor muito preocupado com tramas intricadas, tema, desenvolvimento de personagens e a interpretação de atores. Bay dirige pensando em sempre elevar a ação ao máximo - inclusive nas cenas onde não há ação nenhuma. E isso se dá justamente por essa lógica de filme pornô - isto é, as cenas de diálogo são aquela chatice, um momento onde temos que ficar aguardando até chegar a parte boa de novo. No geral, Bay dirigiu suas cenas de diálogos com a câmera sempre em movimento, com personagens andando para todo o lado, gesticulando, gritando, fazendo piadinhas ruins. Bay realmente não confia na capacidade de seu espectador de aguentar esses diálogos por muito tempo - e acho que ele tem certa razão nisso. O estilo pode ser resumido como Bayhem.
O seu [Michael Bay] trabalho contém muitas características do filme de ação, para além do movimento excessivo, incluindo extensos terrenos urbanos caracterizados pelo crime e pela burocracia; product placement e uma estética mais ampla de promoção e excesso; a fetichização do equipamento militar e a representação da sua implantação imediata e eficaz (tanto dentro como fora das fronteiras dos EUA); sexualização aberta do corpo feminino; e uma ênfase no esforço físico masculino e na dor emocional. O que torna o seu trabalho mais distinto é a utilização de recursos econômicos quase incomparáveis (os seus filmes dependem de orçamentos superiores a 150 milhões de dólares e da extensa cooperação dos militares dos EUA e dos seus aliados) para retratar tramas muitas vezes simplistas ou completamente sem sentido, nas quais o objetivo final parece ser um terceiro ato prolongado de incidente e destruição tão implacáveis que o espectador fica surpreso por puro atrito. Shaviro (2010) sugere que o trabalho de Bay não parece estar “investido em expressão significativa, ou construção narrativa, de forma alguma” (119). No entanto, Bruce Bennett (2015) salienta que, embora estes filmes “sejam frequentemente considerados como transgressões incompetentes do muro fronteiriço entre a integridade espacial e a incoerência”, poderiam ser melhor abordados como evidência de uma nova “estética comercial do excesso” construída em torno de as possibilidades e exigências do cinema digital.
“The Perpetual Motion Aesthetic of Action Cinema”. In: A Companion to Action Film, pág. 111, tradução minha.
Agora, dito isso, há momentos realmente em que Bay brilha na sua decupagem de ação. Podemos considerar A Rocha (The Rock, 1996) seu melhor filme. Bem conduzido por atuações de Nicolas Cage, Sean Connery e Ed Harris, o filme tem uma trama simples, porém eficiente, e é bem estruturada em seus momentos de ação. Boa parte disso se dá pela química entre Cage e Connery - sim, A Rocha é essencialmente um Buddy cop tardio. Nesse sentido, as cenas de ação servem para desenvolver o relacionamento entre Cage e Connery, e a química que os dois atores possuem faz o filme se destacar. Mas esse é um elemento que definitivamente não se repete nos filmes seguintes de Bay. No máximo, podemos destacar algumas sequências pontuais em seus filmes subsequentes.
Bad Boys 2 (idem, 2003) é um filme que peca pelo excesso. Duração excessiva (mais de 2h de duração), excesso de cenas de ação, excesso de piadinhas estúpidas, excesso de tudo. É um grande hambúrguer gorduroso, que cai no seu estômago como uma invenção de Robert Oppenheimer. Mas, dentre tudo isso, dá para chamar a atenção para a primeira perseguição de carro do filme, onde Will Smith e Martin Lawrence perseguem a SUV de Gabrielle Union, enquanto gângsters haitianos, comandando um caminhão cegonha, lançam carros sobre a dupla de heróis. Em outro momento, de tiroteio dessa vez, Bay filma a sequência toda em um plano-sequência circular. Pode ser um recurso bem MTV anos 90, mas no contexto estilizado do longa, funciona.





A Ilha (The Island, 2006) tem uma trama que chega a ser interessante, falando sobre clonagem em um futuro próximo. O filme é claramente dividido em duas partes. Na primeira, acompanhamos Lincoln Six Echo (Ewan Macgregor) que vive em uma distopia asséptica, um mash-up de Aldous Huxley, George Orwell e Evgeni Zamiatin. Acompanhar as investigações de Lincoln, que começa a desconfiar de sua realidade e de sua própria natureza, são de longe a melhor parte do filme e, sendo bem justo, uma das melhores de toda a cinematografia de Bay. No entanto, depois que Lincoln foge com Jordan Two Delta (Scarlett Johansson), o que se segue é basicamente uma repetição de todas as cenas de ação de filmes anteriores de Bay, que não tira nenhuma vantagem da ambientação de ficção-científica.
O estilo de Bay se baseia no que o diretor chama de “foder o quadro”, uma forma de compor e editar imagens que sugere que há uma abundância de outras atividades ocorrendo além das bordas da tela. A variação visual é levada ao extremo. Cores berrantes são empregadas em contrastes intensos, ampliados na gradação de pós-produção. Efeitos especiais digitais são usados para sobrepor detalhes em cada imagem, e uma ampla gama de técnicas e tecnologias de câmera – incluindo Steadicam, guindastes de mão, varredura, Dutch angles, lentes extremamente longas e fotografia aérea – são rapidamente intercaladas umas com as outras. . Essas estratégias se combinam para produzir um efeito caleidoscópico deslumbrante, e os espectadores têm a impressão de que estão mais próximos do conteúdo apresentado do que esperariam. Talvez paradoxalmente, quando empregado junto com cortes frenéticos (que muitas vezes negligenciam o já mencionado foco rígido nos movimentos de causa e efeito no cinema de ação), essa sensação de proximidade gera pouca sensação de profundidade ou escala, e a relativa falta de planos de estabelecimento impede o espectador da observação das relações espaciais ou de como elas podem estar mudando. A presença frequente de reflexos de lente aumenta a impressão bidimensional. (Como para compensar, Bay começou a filmar em 3D estereoscópico, uma tecnologia que cria a impressão de profundidade independentemente de outros efeitos estilísticos.)
“The Perpetual Motion Aesthetic of Action Cinema”. In: A Companion to Action Film, pág. 111, tradução minha.
Os filmes da franquia Transformers - todos - são basicamente a mesma coisa. É impressionante a capacidade de Bay de se canibalizar, repetindo cenas e sequências de ação. O fato que fez mais de 5 filmes na franquia, e todos com mais de 2h20, mostra uma intensificação na capacidade antropofágica de Bay. No entanto… eu tenho de dar o braço a torcer para o fato de que Transformers: O lado oculto da Lua (Transformers: Dark of the Moon, 2011) tem um clímax extremamente bem executado. Nele, um grupo de Transformers vilões (os Decepticons) invadem Chicago e tomam controle da cidade. Resta a um grupo reduzido de robôs heróicos (os Autobots) e humanos a formarem uma espécie de resistência. O que temos é algo como 40 e tantos minutos de ação ininterrupta nas ruas destruídas de Chicago.
A princípio, pode parecer que Bay está simplesmente entrando na moda dos blockbusters de então: todo filme de super-herói do período, de O homem de aço (The Man of Steel, 2011, de Zack Snyder) até Os Vingadores (The Avengers, 2012, de Joss Whedon), passando por Thor (idem, 2011, de Kenneth Branagh), Thor: O Mundo Sombrio (Thor: The Dark World, 2014), Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016, de David Ayer), terminam com uma extensa sequência de ação, bombástica e repleta de efeitos especiais, que se desenvolve no meio de uma grande metrópole, gerando um nível apocalíptico de destruição. Isso é apropriado para uma franquia como Transformers, com robôs gigantescos trocando socos entre si.
Bay mistura bastante planos abertos, aéreos, para mapear a geografia de cada cena, e quando ele vai para o nível dos personagens humanos, ele usa bastante câmera na mão, e planos abertos com lentes mais fechadas, achatando a perspectiva mas, essencialmente, colocando diversas camadas em cada enquadramento. Soma-se a isso o fato de que Bay faz todas essas cenas para valer, em sets elaborados ou locações com bastante intervenção de arte, e o resultado é um bliockbuster muito mais elaborado e visceral que suas contrapartes da Marvel e da DC. Basta ver nestes planos aqui, com carros cruzando as ruas destruídas de Chicago. Bay consegue fazer esses planos de passagem parecerem épicos e gigantescos simplesmente pela forma como os filma, além de todas as partículas que coloca em cena: poeira, destroços, papéis em chamas…
No entanto, o próprio estilo maximalista de Bay o atrapalha, e cancela a si mesmo. Dito de outra forma, o próprio domínio e proficiência técnica de Bay servem para anular o que ele ganha. Ao não distinguir seus quadros um dos outros, sempre buscando o efeito máximo em cada plano, quando ele os arruma na montagem, tudo é ao máximo o tempo todo. O terceiro Transformers ainda se sai melhor que os outros, mas mesmo ele é vítima dos próprios excessos de Bay, e do profundo desinteresse que ele tem com a narrativa em si. Não obstante o clímax dure mais de 40 minutos, Bay gasta boa parte desse tempo com explosões e destruição, o tempo reservado para os personagens e para a resolução do conflito em si é ínfima. O resultado é algo inteiramente desconjuntado.
Um outro filme de Bay que é digno de nota é 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi (13 Hours, 2016), que conta a história real dos fuzileiros que tentaram defender a embaixada americana em Benghazi. Apesar de ser bastante calcado em Falcão Negro em Perigo (Black Hawk Down, 2001, de Ridley Scott), um clássico do cinema de guerra, o fato é que, nele, Bay faz o seu melhor filme de ação. Primeiro, a ação é a história, não é um momento separado dela. É um filme onde um grupo reduzido de personagens precisam sobreviver um assalto brutal de forças inimigas. O relógio impõe uma urgência implacável ao filme, que é essencialmente uma sequência de ação prolongada. Além disso, Bay de fato usa essas cenas para desenvolver seus personagens, e a escolha do everyman mais carismático do cinema americano atual, John Krasinski, para o papel principal, é muito acertada. O filme é essencialmente uma versão militarizada e épica de westerns como Onde Começa o Inferno (Rio Bravo, 1959, de Howard Hawks) e Assalto a 13ª DP (Assault on District 13, 1976, de John Carpenter), e a locação e elenco reduzido deixam Bay extremamente focado naquilo que importa. E, aqui, mais do que em qualquer outro filme de seu catálogo, é onde o Bayhem chega ao seu estado de arte.
Mas o que é o Bayhem, afinal? É o que Nick Jones chama de “chaos cinema”. O espetáculo da ação é dado especificamente pelo caos que ocorre internamente em cada frame, e como esses frames (e geralmente são frames mesmo, cenas que duram segundos ou frações de segundos) quase que colidem um com o outro numa montagem frenética. O espaço da ação fica “fragmentado, impreciso e precário” (“The Perpetual Motion Aesthetic of Action Cinema”. In: A Companion to Action Film, pág. 106, tradução minha).
Mas é importante distinguir algumas coisas. O que Bay faz que é diferente do que Paul Greengrass faz nos filmes da série Bourne? Em essência, nada. Mas Bay pertence a uma geração de cineastas dos anos 80 e 90 que vieram do universo da publicidade e do videoclipe. Tony Scott, com seu Top Gun: Ases indomáveis (Top Gun, 1986). A plasticidade da imagem era suprema:
O ideal de clareza espacial, embora não seja de forma alguma esmagador no cinema de ação pré-milenar, oferece um conjunto de parâmetros pelos quais se podem julgar mudanças subsequentes na estética do gênero, mudanças influenciadas pelas características formais da publicidade e dos videoclipes e possibilitadas pela filmagem digital, edição e sistemas de gradação de cores. Esta mudança é visível em filmes dos anos 80, como Top Gun (1986), que empregam uma estética promocional construída tanto em torno de imagens sedutoras como de enredos de alto conceito. Cada cena em Top Gun funciona como uma espécie de comercial, privilegiando o brilho visual em detrimento da consistência tonal ou espacial; não estamos tanto situados dentro da ação, mas sim observando uma série de poses polidas construídas em torno de ideias de ação, velocidade e masculinidade. Mas os filmes de ação desta época e depois ainda retratam de forma esmagadora movimentos legíveis encenados na tela por atores competentes. A velocidade atesta isso, assim como o próprio físico dos heróis do “corpo duro” da década de 1980, sua musculatura inflada sinalizando sua capacidade enfática de realizar as notáveis tarefas físicas retratadas na tela (Jeffords, 1994).
“The Perpetual Motion Aesthetic of Action Cinema”. In: A Companion to Action Film, pág. 106, tradução minha.
A partir dos anos 2000, há uma mudança desse tipo de linguagem para uma mais caótica, fragmentada e frenética, onde justamente a clareza espacial é abandonada em nome do dinamismo e do frenesi. Do caos, portanto. Mas Bay ainda conserva elementos de sua formação na publicidade e no videoclipe, e talvez seu estilo único, imediatamente reconhecível, venha da colisão dessas duas estéticas.
Greengrass, por outro lado, ambiciona um tipo de realismo que não vemos no estilo de Bay. Isso fica muito claro na sequência em que Bourne enfrenta um agente (interpretado por Marton Csokas) na cozinha de sua casa, em A Supremacia Bourne.
Faltando até mesmo a ênfase de Top Gun em imagens distintas e sedutoras, o cinema do caos gera uma sensação persistente de ocupação através de enquadramentos apertados e edição rápida, e faz isso ao custo da legibilidade espacial. Angela Ndalianis (2000) descreve isto como um “frenesi do visível” em que somos convidados “a maravilhar-nos com a velocidade, os efeitos especiais, o trabalho de câmara” e a capacidade do cinema de os utilizar para extrair de nós um sentimento de admiração. O uso excessivo de câmeras portáteis leves e de múltiplas perspectivas gera uma estética de guerrilha de realismo urgente, implorando nosso maior envolvimento no mundo ficcional do filme. Contudo, tanto Ndalianis como Stork propõem que percamos o controlo da acção, uma vez que não conseguimos perceber exactamente o que está a acontecer a cada momento. No “espaço de ação excessivamente disjuntivo e manipulado digitalmente” do cinema caótico, os movimentos corporais na tela são superados pelos movimentos do próprio filme (Stork, 2013). Para Steven Shaviro (2010), isso representa a mutação da continuidade em pós-continuidade, sensação momento a momento e manipulação afetiva que agora substitui qualquer atenção à narrativa, lógica ou clareza (123).
“The Perpetual Motion Aesthetic of Action Cinema”. In: A Companion to Action Film, pág. 106, tradução minha.
No entanto, o que separa Greengrass de seus contemporâneos do chaos cinema é que ele, na verdade, nunca abandona a continuidade clássica, mas sim a intensifica, através do uso cuidadoso e pontual de poucos planos abertos, que situam o espectador na geografia da cena e, principalmente, do uso de áudio. Greengrass abandona a trilha sonora durante a sequência de luta no apartamento, deixando somente os sons de roupas, respiração cortada, gritos e os sons dos corpos se chocando contra as superfícies. O fato de que tal som é gravado em estúdio, e não em locação, e intensificado em pós-produção de som, dão um tom de “hiperrealidade” à cena - ou seja, “continuidade intensificada”. O termo é de David Bordwell, talvez o maior estudioso da linguagem clássica hollywoodiana, cujo principal pilar é, justamente, a continuidade.




A continuidade é importante pois é com ela que uma narrativa é contada claramente ao espectador. Motivações, evolução dos personagens, revelação e elementos da trama e solução da história são elementos comuns nessa forma narrativa, e perpassam todos os gêneros: comédia romântica, musical, horror, ficção-científica e, sim, cinema de ação.
Pode ser que Greengrass não seja um cineasta tão revolucionário e inventivo quanto alguns de seus predecessores no gênero, mas o fato é que a ação intensa e realista de seus filmes da série Bourne existem como complemento e continuidade da própria história que ele quer contar. Seus filmes mudaram a estética do cinema de espionagem, então marcado por cenas grandiloqüentes e absurdas, como vemos nos filmes de James Bond ou nas aventuras de Ethan Hunt. Ainda que Bourne tenha uma série de elementos de fantasia (a ação exagerada, as escapadas improváveis e também a própria trama, onde o protagonista foi fruto de experimentos científicos, uma tentativa da CIA de criar o “assassino perfeito”, semelhante ao programa do Super Soldado que vemos nos gibis de Capitão América), Greengrass tentou fundir o cinema de paranóia dos anos 70, de Alan J. Pakula, James Bridges e outros, a uma estética realista que também vem dos filmes dos anos 70, como o do próprio Friedkin, que importou a linguagem documental para filmes como Operação França e O Exorcista (The Exorcist, 1973). E o fato é: uma legião de cineastas tentou imitar Greengrass, e fracassaram terrivelmente. Como Bordwell nota, cineastas que não sabem filmar ação (no caso, este tipo, de luta e combate corporal de proximidade), enterram o espectador em planos fechados, cacofonia, e cortes velozes. Caos, portanto.
O que os filmes de Christopher McQuarrie, Christopher Nolan, Paul Greengrass e outros que mencionei (e até deixei de mencionar) mostram é que todas essas coisas importam de fato. Ethan Hunt, em cada sequência de ação que escapa por um triz, mostra porque só ele pode fazer o impossível para salvar o mundo; o Batman é um super-herói precisamente porque faz aquilo que treinou arduamente para fazer. Mas cada sequência de ação possui um peso extraordinário sobre as costas destes personagens, e isto fica extremamente claro nos filmes de Jason Bourne. Os filmes de Velozes e Furiosos, por sua vez, por toda a elaboração que possuem, pouco, ou nada, significam.
Nesse ponto, é onde vemos a influência de diretores como William Friedkin, Michael Mann, Walter Hill e outros mestres do cinema de suspense e ação. O foco é sempre nos personagens, no seu psicológico e no peso que todo aquele esforço árduo pesam sobre eles. Nos filmes de Michael Mann, em especial seus filmes mais recentes, como Colateral (Collateral, 2004, também estrelado por Cruise), Miami Vice (idem, 2006), Inimigos Públicos (Public Enemies, 2009) e Hacker (Blackhat, 2011) mostram o peso que todas as mortes causam na consciência dos personagens.
De acordo com Vincent M. Gaine, Mann, assim como Greengrass e Kathryn Bigelow representam uma nova tendência no cinema de ação: a do New Action Realism. Segundo Gaine, tal ação é marcada não só pela câmera na mão como forma de comunicar algo jornalístico ou documental, mas também por trazer uma “imediaticidade” a essas sequências, e os planos mais fechados trazem a sensação de claustrofobia.
O novo realismo de ação é distinto em termos de conteúdo e estilo. Em termos de conteúdo, os filmes tratam de eventos atuais do “mundo real”, como terrorismo e antiterrorismo, atividade criminosa e aplicação da lei. Estes eventos estão frequentemente relacionados com a globalização e as conexões internacionais do capitalismo, do comércio e da tecnologia. Estilisticamente, o novo realismo de ação retrata um imediatismo claustrofóbico de ação e violência, um retrato tornado possível pelos desenvolvimentos nas tecnologias cinematográficas, incluindo o filme digital.
“New Action Realism: Claustrophobia, Immediacy, and Mediation in the Films of Kathryn Bigelow, Paul Greengrass, and Michael Mann”, de Vincent M. Gaine. In: A Companion to Action Film, editado por James Kendrick. Pág. 289-90. Tradução minha.
Críticos como Bordwell podem interpretar os filmes de Michael Bay, Paul Greengrass e Christopher Nolan como uma “degeneração” do cinema de ação clássico de Hollywood, mas eu mesmo não vejo dessa maneira. É verdade que nem mesmo Nolan consegue reproduzir o estilo de Greengrass, ou mesmo de Mann, no quesito decupagem de ação, mas o fato é que tal cinema, antes de ser uma decadência (pois indicaria que vivemos uma era de ouro do cinema de ação, que não mais pode ser recuperada), é na verdade uma transformação. Vamos esquecer os imitadores menos talentosos por um momento. O que o cinema de Greengrass fez foi, na verdade, inspirar outros cineastas do mundo afora a tentarem casar o seu estilo de cinema realista com uma decupagem de ação mais clássica, gerando uma nova evolução no gênero de ação. Um exemplo claro me parece ser o excelente Trama internacional (The International, 2009), do alemão Tom Tykwer. Os próprios filmes da franquia Missão: Impossível, a começar pelo terceiro filme, de J. J. Abrams, e culminando nos exemplares de Brad Bird e Christopher McQuarrie, representam a continuidade dessa trajetória. Não sei o que Bordwell tem a dizer destes filmes mais recentes, mas eu tenho certeza que ele os aprovaria.
Mas Mann é um diretor importante para continuarmos nossa discussão sobre o cinema de ação, pois, como falei em um ensaio anterior, Mann é um diretor que interpreta o mundo a sua volta através destes personagens deslocados, que se veem quase como párias em um mundo marcado por contínuas transformações.